terça-feira, 3 de dezembro de 2019

APRENDENDO COM ENOQUE (PARTE 5)


                            E Enoque andou com Deus...

Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte; não foi achado, porque Deus o trasla­dara. Pois, antes da sua trasladação, alcançou testemunho de que agradara a Deus. Hebreus 11:5 Em Gênesis, no capítulo cinco, temos a genealogia de Adão que vai até Noé. De Adão até noque, o  texto utiliza os vocábulos “viveu e morreu” na vida de sete homens, mas no versículo vinte e quatro, temos algo que se destaca:

Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si.Gênesis 5:24. . No livro de Judas há um relato sobre a única mensagem de Enoque. Ele questionava o egoísmo das pes­soas que as movia a uma atitude interesseira e independente de Deus Quanto a estes foi que tam­bém profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas san­tas miríades, para exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele.
Os tais são murmuradores, são descontentes, andando segundo as suas paixões.
A sua boca vive propalando grandes arrogâncias; são aduladores dos outros, por motivos interesseiros.Judas 14-16.

A Bíblia nos diz que todos pecaram: Portanto, assim como por um só homem entrou o pe­cado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por­que todos pecaram. Romanos 5:12. Então, Enoque também possuía uma natureza igual à nossa, herdada de Adão, uma natureza rebelde, pecadora, separada de Deus, mas houve um momento em que a separação foi substituída por uma comunhão sem fim, visto que: Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo? Amós 3:3. 

Para andar com Deus, é preciso estar de acordo com Ele, é preciso estar na mesma direção. Enoque nasceu de novo aos sessenta e cinco anos, após ter gerado Matusalém: Andou Enoque com Deus; e, depois que gerou a Metusalém, viveu trezen­tos anos; e teve filhos e filhas. Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco

anos.Gênesis 5:22-23. Ele teve uma vida de fé exercitada diariamente em sua comunhão com Deus, algo que foi desenvolvido ao longo dos anos até ter sido arrebatado por Deus. Ele co­meçou com Deus e terminou com Ele, só mudou de espaço geográfico. Ele viveu o céu na terra.
Em nenhum momento a Bíblia relata que Enoque tinha orado muito, jejuado, se esforçado em suas obras para agradar a Deus. Não. Ele simplesmente andava com Deus. Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si Gênesis 5:24.

O nosso mundo atual vive a era dos anti-depressivos, vivemos na era “Prozac” . O uso des­ses medicamentos tem crescido na população de modo geral, a nível mundial. Em recente pes­quisa, cogitou-se que nos EUA, os americanos usam ”Prozac”para agüentarem o pique do seu cotidiano, o dia-a-dia de um mundo capitalista, onde o tempo é escasso.

Os problemas naquele tempo e hoje são os mesmos. Tratamos nossos problemas (auto desprezo, depressão, insônia, solidão, problemas financeiros) como o mal principal do qual preci­samos ser salvos e negligenciamos a causa principal que é o pecado. Então, Cristo passa a ser a solução dos nossos problemas cotidianos, os quais nunca deixam de aparecer.

As mensagens atuais têm levado as pessoas a conhecerem um Deus que nós podemos ma­nipular ao nosso bel-prazer, ordenar, como se ele fosse nosso súdito, e que está vinte e quatro horas à nossa disposição dando-nos tudo o que queremos e almejamos.

Porém, o que significa andar com Deus? Primeiramente, andar não é o mesmo que viver. É possível ser regenerado e não andar com Deus. Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Gálatas 5:16. Andar com Deus é negar-se a si mesmo todos os dias: Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23. Andar com o Senhor é se aquietar diante Dele e saber que Ele é Deus, Aqui­etai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra.       Salmos 46:10. 

É saber que Ele domina sobre o reino dos homens, Esta sentença é por decreto dos vigi­lantes, e esta ordem, por mandado dos santos; a fim de que conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens; e o dá a quem quer e até ao mais humilde dos homens constitui sobre eles. Daniel 4:17. 

Andar com Deus é descansar em Seus braços como uma criança amamentada: SENHOR, não é soberbo o meu coração, nem altivo o meu olhar; não ando à pro­cura de grandes coisas, nem de coisas maravilhosas demais para mim. Pelo contrário, fiz calar e sossegar a minha alma; como a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe, como essa criança é a minha alma para comigo. Salmos 131:1-2. O chamado de Jesus para os discípu­los, antes de qualquer missão, foi para estarem com Ele: Caminhando junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam as redes ao mar,   porque eram pes­cadores. 

E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então, eles deixa­ram imediatamente as redes e o seguiram. Passando  adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes; e chamou-os. Então, eles, no mesmo instante, deixando o barco e seu pai, o seguiram. Mateus 4:18-22. Nossa agenda é consertar o mundo até que Ele venha cuidar de nós. A agenda de Deus é fazer convergir, em Cristo, todas as coisas até que todo joelho se dobre diante Dele. Larry Crabb.

Andar com Deus é fazer uma entrega total e consciente aos propósitos eternos do Senhor, cônscio de que, nem sempre, Deus garante solução imediata dos problemas. Vivemos na era dos “fast food”, aviões e trens velozes, os quais tornam possível estarmos em dois ou três lugares no mesmo dia. Apesar de tudo isto, a cruz torna possível o nosso andar com Deus. Levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. 2 Coríntios 4:10-11.

 Andar com Deus significa assentar com Ele nos céus. É estar à mesa que Ele preparou numa comunhão íntima, “é viver o céu na terra”, na presença dos adversários. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice trans­borda.Salmos 23:5. E neste campo, os inimigos surgem de todos os lados e a nossa mente divaga como um ”beija-flor”, que voa à procura do néctar, sem sossego.

Viver ou andar? Enoque andou trezentos anos com Deus. Não vamos ser condescendentes conosco, afinal ele era um ser humano como qualquer um de nós, com uma “diferença”, ele andou com Deus. Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. 1 Coríntios 1:9.

APRENDENDO COM ABRAÃO (PARTE 13)


A MAIOR PROVA DE ABRAÃO


INTRODUÇÃO

- No capítulo 22 do livro do Gênesis, encontramos um dos mais dramáticos relatos das Escrituras Sagradas, uma incompreensão aos olhos humanos que, entretanto, revela a sublimidade e o ponto culminante da vida de fé do patriarca Abraão. É graças a este fato, aliás, que Abraão assume, em definitivo, a condição de "pai da fé", que lhe é reconhecida pelas três grandes religiões monoteístas do planeta.
- O episódio do capítulo 22 do livro do Gênesis é conhecida pelos estudiosos da Bíblia como sendo o "sacrifício de Isaque" , sendo que os judeus o denominam de "Akedah", que quer dizer, atadura ou atar, visto que Isaque não foi sacrificado, mas atado junto ao altar e salvo na última oportunidade.

I. O DESAFIO DA FÉ

- O capítulo 22 do livro do Gênesis começa com uma expressão forte: " E aconteceu depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão". A expressão "tentou Deus a Abraão" é melhor traduzida como "Deus pôs Abraão à prova" (como consta da NVI e da Almeida Revista e Atualizada) ou "Deus provou a Abraão", pois, como diz o apóstolo Tiago, Deus não tenta a pessoa alguma (Tg.1:13). Esta, entretanto, não foi a única prova por que Abraão passou. Como ensinou o grande mestre e filósofo judeu Maimônides (1135-1204), Abraão teve de suportar dez provas: 1 - teve de peregrinar como um estrangeiro desde a sua chamada; 2 - a fome que encontrou em Canaã, depois da promessa de que Deus lhe faria uma grande nação; 3 - a violação de direitos humanos elementares quando os egípcios levaram Sara a Faraó; 4 - a luta contra quatro reis conquistadores; 5 - a tomada de Agar como esposa, depois que perdeu toda a esperança de ter um filho com Sara; 6 - a circuncisão em idade avançada por ordem divina; 7 - a atrocidade perpetrada por Abimeleque , que prendeu Sara; 8 - a despedida de Agar; 9 - a separação de Ismael e 10 - o sacrifício de Isaque (apud Meir Matzliah MELAMED. Torá: a lei de Moisés, nota a Gn.12:15, p.30-1).
- Muito se tem discutido a respeito da natureza desta prova imposta ao patriarca Abraão, tendo em vista que, pelo conceito da lógica humana, seria, realmente, impensável que Deus pudesse vir a pedir Isaque em sacrifício. Assim, há aqueles que não admitem sequer a possibilidade de que Deus estivesse, mesmo, querendo Isaque em sacrifício, ainda que Deus o tivesse pedido explicitamente, porque uma tal ordem, dizem, contrariaria todo o caráter divino. Contudo, assim não pensamos, pois são as Escrituras que afirmam que de Deus saiu esta ordem e Deus é soberano, podendo, pois, exigir tal coisa de Seu servo, ainda que, explicite-nos o texto, o Seu propósito fosse o de pôr à prova Abraão e não o de ter Isaque como oferta. Aliás, é assim que se expressa Flávio Josefo: "... Deus lhe concedeu o que desejava, mas quis antes experimentar a sua fidelidade..." (Flávio JOSEFO. Trad. de Vicente Pedroso. História dos hebreus, v.1, p.35).
- Todavia, observe-se, apenas Deus sabia deste propósito, que não era de conhecimento do patriarca, assim como apenas Deus e Satanás tinham conhecimento do que estava acontecendo na vida de Jó. A fé está, precisamente, em crermos em Deus e na imutabilidade de Seu caráter, mesmo quando a própria ordem divina pareça contrariar tanto uma coisa quanto outra. O propósito de Deus nas provas que nos advêm nem sempre nos é divulgado de imediato, mas devemos, sempre, ter a consciência e a convicção de que tudo que ocorre conosco é o melhor para nós (cf. Rm.8:28). Não devemos nos angustiar nem perder a esperança, mas, simplesmente, confiar no Senhor, que, muitas vezes, dirige-se para nós como se dirigiu ao apóstolo Pedro: " o que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois" (Jo.13:7b). Isto nos mostra, claramente, que Deus está acima dos nossos pensamentos ou das nossas concepções, de modo que não podemos, jamais, perscrutar Seus propósitos ou intentos (Is.55:8,9; Rm.11:33-36). Desconfiemos, pois, daquelas doutrinas e filosofias que explicam totalmente todos os pensamentos e caminhos de Deus, tudo racionalizando e tornando compreensível, pois, de modo algum, os homens poderão alcançar o pensamento de Deus, pois sempre serão meros homens (Sl.9:19,20)
- Deus chega ao patriarca e lhe dá a ordem tão incompreensível quanto inusitada: "Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que Eu te direi."(Gn.22:2). A ordem divina tem alguns pontos que devemos frisar, a saber:
a) TOMA o teu filho - Deus não deixa qualquer dúvida. Trata-se de uma ordem, que não admite qualquer discussão. Ao contrário do que ocorrera com as cidades da planície, em que o Senhor revela Seu intento a Abraão, aqui estamos diante de uma ordem. Isto explica, aliás, o silêncio de Abraão que intercedera pelos habitantes das cidades da planície com insistência e que se cala com relação ao filho da promessa, algo que intriga muitos até hoje, inclusive os rabinos judeus. Tratava-se de uma ordem e o patriarca, que agora era íntegro e estava na presença do Senhor(cf. Gn.17:1), com um caráter totalmente transformado(cf.Gn.17:5), não hesita em obedecer ao Senhor. Esta mesma prontidão é exigida aos servos do Senhor (Mt.5:37; Rm.6:16,17).
b) Toma AGORA - A ordem divina é extremamente precisa e não permite qualquer dúvida, porque o nosso Deus não é um Deus de confusão (I Co.14:33). A ação deveria ser feita de imediato, sem qualquer lapso temporal, no que o Senhor foi atendido prontamente, pois o patriarca, diz o texto sagrado, logo na madrugada, albardou o seu jumento e iniciou a caminhada para o local indicado por Deus (Gn.22:3). O patriarca nem discutiu com o Senhor que, para Isaque nascer, decorreram longos vinte e cinco anos, mas para ser oferecido, isto deveria ocorrer de imediato. Não, Abraão sabia bem o seu lugar, o lugar de servo, não admitindo seu caráter transformado qualquer questionamento da ordem divina. Será que temos este mesmo caráter, ou estamos questionando a Deus e a Seus métodos ? Cuidado, um dia alguém muito próximo ao Mestre questionou-o sobre Seus propósitos e, neste questionamento, Jesus disse exatamente quem estava operando através da boca do "zeloso" discípulo ! (Mt.16:22,23).
c) O TEU FILHO, O TEU ÚNICO FILHO, ISAQUE, A QUEM AMAS - Deus é onisciente e revelou ao patriarca exatamente o que Isaque significava para si. Isaque era o único filho que convivia com o patriarca, era o herdeiro de todos os bens materiais e espirituais do patriarca, era alguém, efetivamente, amado pelo patriarca. Deus, assim se expressando, demonstrava ter plena consciência do trauma espiritual-sentimental-emocional-psicológico que representava esta atitude de sacrifício para o patriarca, mas O reconhecendo, demonstrava que nada disso poderia impedir o cumprimento da ordem divina. Deus conhece a nossa estrutura, sabe que somos pó (Sl.103:13,14), não é um Deus distante, mas um Deus que, inclusive, participou das nossas próprias aflições, quando a pessoa de Seu Filho encarnou, para que pudesse ser pleno em nosso auxílio (cf. Hb.2:9-18). Daí porque não podermos jamais deixar de considerar, em nossas lutas e aflições, que Deus, de antemão, já sabe o que sentiríamos, o que estamos padecendo, tendo total condição de nos consolar e confortar(II Co.1:3-7), pois Ele é compassivo, ou seja, sente exatamente o que estamos sentindo. Eis a razão pela qual a Palavra diz-nos que jamais seremos tentados acima do que podemos suportar ( I Co.10:13). Deus reconhecia que Abraão depositara todas as suas esperanças e todo o seu amor em Isaque e que isto tornaria absolutamente incompreensível a obediência à ordem divina, por isso mesmo Deus afirma ter pleno conhecimento disto e, assim fazendo, não deixa qualquer margem para que o patriarca pudesse sequer questionar ou pedir um tempo para cumprir a ordem emanada do Senhor.
d) Vai-te à terra de Moriá e OFERECE-O ali EM HOLOCAUSTO sobre uma das montanhas, que Eu te direi - A ordem de Deus é clarevidente. Abraão deveria, a exemplo dos idólatras que com ele conviviam, fazer um sacrifício humano, o sacrifício de seu único filho, matando-o e o queimando a Deus, na terra de Moriá, numa montanha que seria indicada por Deus. Aqui a ordem de Deus apresenta algumas similitudes com a experiência do patriarca com Deus, como também algumas novidades. Senão vejamos:
1º ) Deus quer um sacrifício e Abraão já sabia, desde o início de sua jornada de fé, que os sacrifícios agradavam a Deus, daí porque o altar ser uma constante em sua vida com o Senhor. Entretanto, se o sacrifício era uma constante, o mesmo não se poderia dizer a respeito do sacrifício humano. Esta atitude, tão comum aos idólatras, era algo que jamais lhe fora requerido antes. Deus não estava Se contradizendo, porque jamais lhe proibira tal prática, mas, até então, nunca havia exigido uma coisa destas. Às vezes, o nosso costume acaba gerando normas entre nós, servos de Deus, normas às quais, até involuntariamente, acabamos impondo ao Senhor. Tenhamos cuidado pois Ele é o Senhor e não tem compromisso com nossos costumes. Deus exige o sacrifício humano, algo que jamais pedira a Abraão antes, mas não podemos dizer que Deus teria Se contradito aqui com esta exigência. Somente, mais tarde, com a lei, seria proibido, terminantemente, o sacrifício humano (Lv.18:21; 20:1-5), algo que sempre desagradou sobremaneira ao Senhor (II Rs.23:10; Jr.32:35; At.7:43).
2º ) Deus mandou que o patriarca partisse para a terra de Moriá, pois lhe mostraria lá qual o monte em que deveria fazer o sacrifício. Assim como Deus havia, anteriormente, dito para Abraão deixar a casa de seu pai para uma terra que ele lhe mostraria, também aqui iria indicar o local. Entretanto, se Abraão já estava acostumado a que Deus lhe indicasse o lugar, isto jamais havia se dado antes com relação a construção de um altar. Até aquele momento, Abraão sempre edificara altar onde tinha querido, segundo a sua vontade, mas, agora, o altar deveria ser construído no local que Deus lhe haveria de mostrar. Quanto mais tempo passamos na presença de Deus, a tendência será a de, cada vez mais, passarmos a ser dependentes do Senhor e não o contrário. A tendência humana do servo de Deus é achar que já conhece o Senhor e querer alargar o espaço da sua vontade e do seu querer no serviço a Deus, no cotidiano de nossas vidas. A situação é totalmente outra. Devemos, sempre, ir num sacrifício de nossa vontade, numa anulação cada vez mais intensa de nosso querer. Os grandes homens da Bíblia apresentam-se como pessoas sem vontade própria, totalmente submissas ao Senhor, a começar do exemplo de todos, Jesus, que anulou até mesmo Seu instinto de sobrevivência no Getsêmane. Devemos nos lembrar das elucidativas palavras que Jesus disse a Pedro (Jo.21:18,19), muito bem aprendidas pelo apóstolo (II Pe.1:10-21), ou, então, da forte expressão de Paulo, segundo o qual, ele nem sequer mais vivia, mas era Cristo quem vivia nele (Gl.2:20). Isto tem sido uma realidade em nossas vidas ? Por fim, naquele local, no monte Moriá, onde, mais tarde, seria construído o templo de Jerusalém, Abraão só fez um único sacrifício, como que a indicar que o sacrifício prefigurado seria único e suficiente para a redenção da humanidade.

II. A CRISE DA FÉ

- O patriarca, prontamente, obedeceu a Deus, embora mantivesse em segredo o propósito de sua viagem até a terra de Moriá. Tomou dois de seus moços, Isaque e partiu em direção a terra de Moriá, tendo, antes, fendido lenha para o holocausto. Notamos aqui o caráter resoluto de Abraão em atender à ordem do Senhor, mas, também, sua prudência em não alardear o que estava a fazer. Esta prudência tem faltado a muitos servos do Senhor na atualidade. A recomendação do Senhor é que sejamos simples como as pombas, mas prudentes como a serpente. A ordem dada por Deus era incompreensível ao próprio patriarca, cuja estatura espiritual permitia tal prova por parte do Senhor, pois já era, como vimos no ensinamento de Maimônides, a décima prova sofrida pelo patriarca. Entretanto, naturalmente, se o próprio Abraão não a compreendia, como poderia alardeá-la, senão para inviabilizar o seu cumprimento ? Por isso, nada disse a pessoa alguma. Jesus, em momentos cruciais de Seu ministério, também foi reservado e, não raro, solitário (cf. Mt.14:13;17:1;20:17; Mc.9:2; Lc.9:10). Devemos valorizar nossa intimidade com o Senhor, pois se, na intimidade, não há segredos entre nós e Deus, há entre o que temos acertado com o Senhor e os demais. Jesus, mesmo, recomendou este comportamento quando O buscarmos em oração (Mt.6:6).
OBS: Este pensamento de reserva para impedir a frustração do cumprimento da ordem divina é a interpretação dada por Josefo para o silêncio de Abraão, em trecho que vale a pena transcrever: "...Estando Abraão persuadido de que nenhuma consideração poderia dispensá-lo de obedecer a Deus, a quem todas as criaturas são devedoras da própria existência, nada disse à sua esposa nem a outro qualquer de seus familiares sobre a ordem que havia recebido de Deus e a resolução que tinha tomado de executá-la, de medo que eles se esforçassem para dissuadi-lo disso. Disse somente a Isaque que o seguisse acompanhado por dois de seus criados e mandou colocar sobre um jumento todas as coisas de que necessitava para o sacrifício..." (Flávio JOSEFO. Trad. de Vicente Pedroso. História dos hebreus, v.1, p.35)
- Foram três dias de jornada, em que Abraão mantinha-se silente para com os dois moços e seu filho a respeito do propósito daquela viagem. Só ao terceiro dia, Abraão viu o local, ainda de longe, ou seja, Deus lhe mostrou qual era o local em que se deveria fazer o sacrifício. Assim que mostrado o lugar, Abraão estreita ainda mais a situação, mandando que os dois moços aguardassem ali, juntamente com o jumento que fora albardado, enquanto ele e Isaque iriam até o lugar indicado por Deus (Gn.22:4,5). Aqui encontramos a expressão que denotava a confiança excelente do patriarca: " eu e o moço iremos até ali e, havendo adorado, tornaremos para vós." Tratava-se de uma profunda confiança a do patriarca. Como tornar com Isaque se ele seria sacrificado a Deus em holocausto, ou seja, após matá-lo, Abraão teria de queimá-lo em oferta ao Senhor ? Assim Abraão falou não porque tivesse uma mera esperança, mas, diz-nos o escritor aos Hebreus, porque " pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. Sendo-lhe dito: em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar..." (Hb.11:17,18). As circunstâncias eram totalmente adversas: Deus, que prometera e dera o filho ao patriarca, era o mesmo que o queria em holocausto, mas Deus é imutável, não é homem para que minta, nem filho do homem para que Se arrependa e, portanto, de algum modo, não sabido, não revelado, Isaque tornaria a viver, teria de dar continuidade à descendência, conforme Deus havia prometido. Querido(a) irmão(ã), seu Isaque foi levado para o altar ? Seu Isaque foi até já sacrificado, sem que o anjo interviesse antes que o cutelo fosse lançado ao pescoço do seu prometido ? Onde está a sua fé para confiar e crer que Deus é poderoso para até dos mortos ressuscitar o seu Isaque ? As promessas de Deus não falham. Como diz o cantor sacro: "De Deus mui firmes são as promessas, falhando tudo, não falharão. Se das estrelas, o brilho cessa, mas as promessas brilharão" ! (refrão do hino 459 da Harpa Cristã).
- Durante estes três dias, certamente, Abraão deve ter procurado entender a ordem divina, que contrariava toda a lógica humana e tudo o que Abraão havia aprendido de Deus até ali. Este confronto entre a lógica humana e a lógica divina, aliás, foi o principal ponto que o estudioso judeu Richard S. Ellis enfatizou em seu artigo " Human Logic, God's Logic, and the Akedah"(A lógica humana, a lógica de Deus e a Akedah") (math.umass.edu/~rsellis/akedah.html) , onde afirma que o episódio é um "pesadelo que lança sua sombra através de toda a história judaica"(tradução nossa), cujo entendimento é possível se o focalizarmos como "o choque entre a lógica humana e a lógica de Deus"(tradução nossa), como "o confronto destes dois modos de lógica"(tradução nossa). Diz o estudioso que "Abraão, a ponto de subir ao Monte Moriá, foi suspenso entre a lógica humana e a lógica de Deus, onde todas as contradições são resolvidas(...).(tradução nossa)". O texto silencia-nos a respeito do que se passou entre Abraão e Deus, mas, como afirma Ellis, "...o silêncio do texto convida-nos, enfurece-nos, força-nos a confrontar a realidade de nossa falta de poder e de nossa própria morte, força-nos a vir às mãos com a questão-chave: quando a tragédia surpreende, como um dia deve ocorrer, irei eu buscar refúgio na lógica humana ou abrir-me-ei para a infinita luz desconcertante de Deus ?" (tradução nossa).
OBS: Prossegue Richard S. Ellis seu pensamento: "...Assim como a jornada de Berseba para o Monte Moriá em Jerusalém é um ascensão física, do mesmo modo Abraão através de sua fé parece ter sido elevado acima do nível da lógica humana para o nível da lógica de Deus, onde todas as contradições são resolvidas. Mas Abraão precisa de uma jornada de tr6es dias para chegar a este nível, para cultivar o cenário mental que poderia aceitar a resolução da contradição por Deus. A jornada dá a Abraão o espa;co no qual a ruptura para o nível mais elevado pode acontecer..." (Richard S. ELLIS. op.cit.) (tradução nossa).
- Outra lição importante que tiramos é de que Abraão e Isaque assumiram pessoalmente a responsabilidade pelo ato de adoração. Não eram, como muitos crentes de nossos dias, "crentes de carona", que vivem às custas da espiritualidade e santificação dos outros. Abraão e Isaque tomaram todo o material necessário para o sacrifício e partiram rumo a Moriá. Abraão levava o fogo e o cutelo na sua mão e Isaque, mais jovem e vigoroso, a lenha do holocausto. Diz o texto que ambos foram juntos, a demonstrar, portanto, unidade, ainda que houvesse diversidade de funções, de tarefas, diante das peculiaridades de cada um. O texto mostra-nos, também, que Isaque tinha uma idade suficiente que permitia que ele levasse sobre seus ombros a lenha do holocausto, não era, portanto, uma criança inocente, sem consciência, de tenra idade. Alguns eruditos judeus chegam a dizer que Isaque tinha cerca de 37 anos de idade. Na igreja, devemos agir do mesmo modo. Para que haja uma perfeita adoração, é mister que cada um cumpra o seu papel, que cada um faça o seu esforço, segundo a sua aptidão e capacidade. Lamentavelmente, se fôssemos depender de muitos crentes, hoje em dia, a lenha, o fogo ou o cutelo ficariam ao pé do monte...
- Outro ponto importante para nossa meditação é que Abraão trouxe todo o material para o sacrifício de sua casa, não tomou coisa alguma estranha ao seu lar, ao seu domicílio. Não havia fogo estranho, não havia cutelo improvisado ou adquirido de terceiros, não havia lenha de outros lugares, nem mesmo da vegetação do local indicado por Deus. Tudo foi trazido de casa, tudo havia tido sua elaboração, sua confecção e sua preparação segundo os costumes e as regras estabelecidas pelo patriarca na sua comunhão e vida íntima com Deus. Será que nosso culto tem sido o aprendido junto aos nossos pais na fé, será que tem sido o resultado de uma vida íntima e de comunhão com Deus, segundo os marcos estabelecidos pela Palavra de Deus, ou temos cedido às inovações, às novidades, ao fogo de procedência desconhecida e ignorada ? Deus não aceita coisas estranhas na adoração ao Seu nome. Lembremo-nos dos filhos de Arão ! (Lv.10:1-11).
- Ao silêncio de Abraão correspondia igual silêncio da parte de seu filho, Isaque. Chamado por seu pai, sem hesitação, obedeceu e iniciou a viagem. Não sabia para onde ia, mas seu pai lho indicou. Sem hesitar, também, toma a lenha do holocausto sobre seus ombros e começa a caminhar em direção a Moriá. Entretanto, como era alguém dotado de plena consciência e ensinado por seu pai na adoração a Deus, logo percebeu que faltava um elemento para o sacrifício, ou seja, a vítima. Por isso, perguntou a seu pai onde estava ela e Abraão, uma vez mais, demonstra o seu interior, ao dizer que Deus iria prover a vítima. É desta expressão do patriarca que advém o conceito da "Divina Providência", ou seja, "o cuidado de Deus sobre todas as Suas obras"(Sl.145:9) (cf. R.N. CHAMPLIN. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.5, p.487)
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- Após a declaração do patriarca, Isaque prosseguiu o seu caminho, demonstrando satisfação com a resposta recebida de seu pai, bem assim, também ter a mesma confiança e a mesma fé de Abraão. O texto expressa esta comunhão de propósitos e de valores ao afirma que "caminharam ambos juntos" (Gn.22:8, parte final). Assim, não apenas em Abraão vemos uma demonstração de fé e submissão, mas também em Isaque, que foi obediente, visto que poderia, ante a sua idade e condição física, facilmente fugir do papel de vítima do sacrifício, ainda mais quando seu pai, aparentemente, havia mentido, já que omitira que a vítima do sacrifício era o próprio Isaque. Todavia, Isaque deixou-se amarrar e ser colocado no altar, sem resistir, numa perfeita tipificação do que Jesus faria pela humanidade milênios depois (Jo.10:17,18).
OBS: "...Há outras interpretações que nos lembram que Isaque é tipo de envolvido em todo este negócio. Para alguns, Isaque era um menino (com idade suficiente para carregar madeira) ao tempo da Akedah. Para outros, ele era um homem formado, de 37 anos de idade. Em qualquer caso, Abraão tinha 110 anos. A história é explícita que Abraão amarrou Isaque. Se era um menino ou um homem, estes intérpretes concluem, Isaque tinha de consentir com a amarração. A mensagem aqui é: Esteja preparado como Isaque para sacrificar-se a Deus."
(Philip BORENSTEIN. Rosh Hashannah: the Akedah.www.rjca.org/5759rh2akedah.html ).(tradução nossa).

III. A PROVA E A COMPENSAÇÃO DA FÉ

- Abraão estava determinado a obedecer a Deus. Edificou o altar, pôs em ordem a lenha e amarrou a vítima, que era seu próprio filho Isaque e iria desferir-lhe o golpe fatal quando foi interrompido por Deus, que determinou que o patriarca não matasse seu filho, pois havia provado que Deus estava acima de todas as coisas na sua vida e que nem o único filho lhe fora negado.
OBS: "...Muitos dos comentários concentram-se em Abraão. A Akedah, como ela diz no início do capítulo, era um teste para Abraão. Era a maior das dez provas, a única que selou para o bem sua obediência a Deus. Quando estava a ponto de matar Isaque, um anjo para Abraão e diz, ' a partir de agora eu sei que tu és um homem que tema a Deus porque tu não negaste o teu filho para mim.' Nós afirmamos que Abraão passou no teste. A mensagem aqui é clara: como Abraão, nós deveríamos ser voluntariosos para fazer tudo o que Deus pede de nós, não importa o que, mesmo quando pareça que Deus é abominável." (Philip BORESTEIN. Rosh Hashannah: The Akedah.www.rjca.org/5759rh2akedah.html) (tradução nossa)
- É interessante observar que Abraão responde a Deus da mesma forma com que atendeu ao chamado do Senhor quando recebeu a notícia de que deveria sacrificar seu filho. A resposta de Abraão, em ambas as oportunidades, foi "eis-me aqui", expressão bíblica que indica, sempre, disposição para fazer a vontade de Deus. Assim respondeu o profeta Isaías ao chamado do Senhor após a sua indispensável purificação (Is.6:8), assim era o teor da oração de Jesus quando entrou neste mundo (Hb.10:7,9). Estamos à disposição do Senhor ? Temos respondido ao Seu chamado com um "eis-me aqui" ? Nas duas oportunidades, Abraão estava em circunstâncias bem distintas: estava calmo, feliz, tranqüilo e realizado quando Deus lhe chama para pedir o sacrifício de seu filho Isaque. Assim, respondeu com um "eis-me aqui". Na segunda vez, estava extremamente aflito, psicologicamente abalado, pois estava contemplando a face de seu filho, atônito, prestes a ser morto, estava a ponto de matar o próprio filho, mas, ao ouvir a voz do Senhor, responde com o mesmo "eis-me aqui". Era um homem de fé e, como tal, as circunstâncias não o abalam, pois é como o monte de Sião (Sl.125:1). Será que temos confiado no Senhor, ou somos facilmente abalados pelos ventos, pelas ondas, como foi o apóstolo Pedro ? Será que o Senhor tem Se virado para nós e dito que somos homens (ou mulheres) de pouca fé ? (Mt.14:31).
- Deus recompensou a fé de Abraão, poupando-lhe o filho. Abraão vê um cordeiro que está preso no mato pelos seus chifres, oferecendo-o em lugar de seu filho Isaque. Era a oferta da gratidão e do reconhecimento da soberania de Deus e de que vale a pena sermos obedientes ao Senhor. Assim como Abraão predissera, ele e seu filho adoravam a Deus e depois tornariam para o encontro dos dois moços que aguardavam ao pé do monte. O patriarca dá ao monte o nome de "O Senhor proverá" e, realmente, ali, naquele monte, Deus, posteriormente, propiciava, no sacrifício anual, os pecados de Israel, como figura do sacrifício vicário de Cristo, sacrifício este que, neste episódio, foi divisado pelo patriarca, como nos dá conta o próprio Jesus (Jo.8:56). Percebe-se, aqui, portanto, que, por ter feito o que Deus lhe mandara sem questionar, Abraão ganhava uma grande recompensa: a de conhecer e ver o plano de Deus para a redenção da humanidade por seu intermédio. Crer em Deus, mesmo sem entender, foi o caminho para que o patriarca tudo pudesse ver e entender.
- Após o sacrifício, Deus manda outra mensagem, através do anjo, ao patriarca, renovando as promessas nas quais Abraão havia confiado e pelas quais havia caminhado até ali na sua vida espiritual. O significado deste episódio ficou tão indelevelmente marcado na vida do povo de Israel que, na passagem do Ano Novo Judaico (o Rosh Hashannah), todos os anos, é esta a leitura bíblica que se faz, como que em um reconhecimento de que a perpetuidade do povo judeu dá-se porque Abraão não negou seu único filho a Deus, dá-se como retribuição de Deus à fidelidade de Abraão.

OBS: "... Ao judeu sofisticado, porém devoto, da era moderna, a narrativa bíblica a respeito da imobilização e do pretendido sacrifício de Isaac por seu pai, o Patriarca Abraão, dá a impressão de ser uma antiga encenação religiosa judaica.

No entanto, para os judeus religiosos de inúmeras gerações passadas, tratava-se de algo mais do que uma narrativa com uma comovente lição moral; ela transmitia, através do dramático relato, a certeza de uma realidade espiritual - de uma revelação interior que ficava sempre impressa na consciência deles e que nem a passagem do tempo nem a distância poderiam abrandar. Grande parte do pensamento religioso e dos sentimentos morais do povo judeu foi delneada e colorida por ela.(...)

A reação do judeu comum diante desse drama moral foi emocionante e tocante, pois que ele glorificava o ato de fé como sendo mais elevado do que a razão, o dogma, o amor e a humanidade(...) Fervorosa e incansavelmente, enviavam a súplica ao Trono da misericórdia para que Deus, ao recordar-se do sacrifício de Isaac, se comovesse com tanto amor e perdoasse Seu povo pelos seus pecados(...)

Os Rabinos do Talmud fixaram então a tradição, segundo a qual, em memória respeitosa e grata do sofrimento de Abraão e da afirmação triunfante de sua fé em Deus, o vigésimo segundo capítulo do Gênese seria recitado em todas as sinagogas no Rosh Hashanah, no momento em que se ouvisse o primeiro som do shofar.(um chifre de carneiro que é tocado na passagem do ano, no estilo das trombetas que chamavam o povo no deserto no tempo de Moisés)

"...Há um midrash (comentário interpretativo das Escrituras feito por rabinos judeus) que liga os elementos da Akedah com Rosh Hashannah.

Depois do anjo interromper Abraão de prosseguir com o sacrifício, Abraão faz uma barganha com Deus. Abraão diz: "Olha, eu estava pronto para sacrificar Isaque mesmo tendo me sido dito que através dele meus descendentes viriam.

Então, no futuro, quando meu povo pecar, eu gostaria que Tu te lembres desta prova que Tu me fizeste passar e perdoes os seus pecados.' E Deus disse: 'quando eles tocarem o chifre do carneiro em Rosh Hashannah, eu me lembrarei deles e eu os perdoarei..." (Philip BORENSTEIN)

Colaboração : Caramuru Afonso Francisco.

APRENDENDO COM JESUS


AS BELEZAS DE CRISTO - NOSSA JUSTIÇA
 
 
NOSSA JUSTIÇA 

"Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus . . . justiça" I Cor 1:30; II Cor 5:21
Definição:
Para vermos melhor essa beleza de Cristo é necessário, primeiramente, entendermos o que é a justiça de Deus. Ela não deve ser confundida com a justificação, a ação de ser aceito legalmente diante de Deus. A justificação é resultado da justiça de Deus. A justiça de Deus é a sua bondade. A justiça é definida como retidão, eqüidade e virtude. Como é vista a virtude de Deus? Como é vista a sua retidão e a sua eqüidade? Através da sua bondade.
Exemplo:
Um exemplo da justiça de Deus visto como bondade é o Salmo 33:5. Por Deus amar a justiça e o juízo a terra está cheia de manifestações de tal justiça. A justiça é vista na Sua bondade. Examine a criação e você verá a bondade de Deus. Contemple o equilíbrio na posição dos planetas em relação ao sol, os animais predadores e as presas, a quantidade de terra seca em relação a água, etc. Tudo o que Deus fez na terra revela a sua bondade, a sua justiça.
Moisés pediu que Deus mostrasse a ele a sua glória em Êxodo 33:13-19. Quando Deus falou que passaria diante dele foi a sua bondade que passou diante de Moisés. Nesse mesmo contexto Deus menciona que Ele terá misericórdia de quem Ele tiver misericórdia e terá compaixão de quem Ele compadecer. Quando Deus, então, mostrou a sua bondade a Moisés, Moisés clamou com exclamações de louvor à ações de misericórdia , piedade, longanimidade, beneficência e verdade de Deus (Êx 34:6,7). Quando Deus mostrar a sua justiça, veremos ações de bondade, pois a retidão de Deus é a sua bondade. Por Deus ser magnificamente bom, Ele é impulsionado a fazer atos justos. Veja esta bondade/justiça também em Oséias 3:5; Rom. 11:22 e Tito 3:4.
Resultado:
O homem não tem justiça própria pois está contaminado pelo pecado e não existe nada de bom nele (Rom 3:12). As suas ações mostram isto claramente (Rom 1:18,21; 3:10-18). O que o homem tem é a sua própria auto justiça. O homem faz boas ações porque ele as consideram boas e o homem que quer ser bom vive de acordo com os pensamentos de homens bons. Diante de homens bons o homem bom é aceito, mas diante de Deus, nenhum homem tem justiça/bondade alguma (Ecl. 7:20).
A justiça de Deus fez com que Cristo levasse as nossas transgressões e iniquidades, sofrendo o nosso castigo para que nós, os pecadores, pudéssemos ser sarados, salvos, lavados e justos diante dEle (Isa 53:4,5; II Cor 5:21).
"Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós;
para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus."
II Coríntios 5:21
Na salvação, Cristo é o Meio pelo qual a justiça de Deus opera em nós, os pecadores. Quando Deus, na sua santidade e retidão, vê o pecador confiando no sacrifício de Cristo, Ele o abençoa tanto quanto fosse Seu próprio Filho. Cristo é a nossa justiça (I Cor 1:30). Deus vendo a obra salvadora aplicada no homem por Cristo não vê mais razão para o condenar mas sim o abençoar especialmente. Que benção é termos a Cristo como a nossa justiça!
Tendo a Cristo como a nossa justiça:
A. Somos Adotados e Aceitos por Deus - Efés 1:5,6
A adoção é a ação voluntária e legal de aceitar a uma criança como filho dedicando a ela todos os privilégios que o mesmo merece.
O que muda conosco quando somos adotados por Deus é a nossa posição. Sempre fomos criaturas de Deus. Em Cristo nos tornamos criaturas salvas. Sendo criaturas salvas nós nos tornamos, em Cristo, filhos de Deus (Gal 4:1-7). Cristo sendo a nossa justiça não teremos mais erros, imperfeições e pecados diante de Deus. Ele nos vê como limpos e justificados. Além disso, com Cristo sendo nossa justiça, Deus nos vê como filhos e isso já é uma benção maior do que sermos vistos como somente criaturas salvas, "Amados, agora somos filhos de Deus" (I João 3:2).
Na adoção grandes bênçãos acontecem.
  • Transformados, de filhos da ira (Efés 2:3) para filhos de Deus (I João 3:1,2)
  • Transportados de longe para perto (Efés 2:13)
  • Transformados de família do maligno para a família de Deus (Efés 2:19)
O Tempo de Adoção
A adoção de cada filho já estava na mente eterna de Deus antes da fundação do mundo (Efés 1:4) mas começou em nós atualmente por Jesus Cristo (Gál 3:26; Efés 1:5) e só estará completa na segunda vinda de Cristo (Rom 8:23; II Cor 5:10).
Na adoção há provas internas e externas para o filho
  • Guiados pelo Espírito: Rom 8:4,14; Gál 5:18
  • Confiamos em Deus: Gál 4:5,6
  • Temos acesso a Deus: Efés 3:12
  • Temos amor: I João 2:9-11; 5:1
  • Somos obedientes: I João 5:1-3
Você tem estas provas na sua vida? Se você for filho de Deus ande como filho até estar face a face com o Pai.
B. Temos um lugar reservado no céu - João 14:1-6
Tendo Cristo como a nossa justiça, nós nos tornamos filhos e aceitáveis a Deus. Nada mais nos desqualifica para estarmos juntos de Deus no céu eternamente. Sendo justo diante de Deus há toda razão para estar na presença de Deus para sempre. É isso o que aconteceu em Cristo. Há um lugar reservado no céu para os filhos em Cristo (João 14:1-6). Jesus ora para que os Seus estejam com Ele (João 17:24). A glorificação é certa para os filhos (Rom 8:17; I João 3:2,3).
Tendo Cristo como a nossa justiça, temos uma nova natureza, espiritual, que é eterna. Temos de Deus para nós uma habitação eterna (II Cor 5:1-3) a qual habitaremos com o Senhor (II Cor 5:8). Esse lugar eterno e espiritual é o que Abraão viu pela fé (Heb 11:10, 14-16).
Antes que você pense demais nas bênçãos dos céus, não se esqueça de suas responsabilidades aqui na terra. Os filhos não só têm lugar no céu mas também as obras que são feitas aqui na terra. O lugar eterno e futuro é para os discípulos que servem a Cristo (Lu 14:26-33).
Há um lugar chamado céu. Este lugar é:
  • desejado - II Cor 5:2,6-8
  • eterno - Heb 11:10; Apoc 22:5
  • futuro - Heb 13:14 · na presença de Deus - Fil. 1:23; Apoc 3:21; 22:4
  • permanente - I Tess 4:16-18; Apoc 3:12
  • real - II Cor 5:6-8; Apoc 21:10-17; 22:1,2
Cristo é a sua justiça? Se for, há um lugar reservado para você lá no céu. sirva o seu Senhor agora na terra para "ser-lhe agradáveis, quer presentes, quer ausentes." (II Cor 5:9).
C. Somos tratados como filhos - Rom 8:17
Sem Cristo como a nossa justiça, Deus nos tratava de acordo com aquilo que éramos: inimigos dEle (Rom 6,7). A ira de Deus permanecia sobre nós (João 3;36) e tínhamos o "espírito de escravidão" com o qual estávamos em temor (Rom 8:15). Em misericórdia geral Deus deu nos vida, saúde, família, bênçãos gerais e oportunidades para ouvirmos a Palavra da salvação. Nessa condição, se morrêssemos, teríamos lastimavelmente a agonia do eterno lago de fogo nos esperando, pois teríamos vividos sem nos arrepender dos pecados que de Deus nos separavam. Não teríamos nenhuma justiça suficiente para entrarmos no céu.
Quando Cristo transforma nossa justiça pelo arrependimento dos pecados e pela fé no Seu sacrifício e vitória, Deus nos trata como filhos. Agora, em amor particular, Deus age a cada instante em nossas vidas. Como filhos de Deus por Cristo, e não somente como criaturas dEle, entramos na realidade de termos grandiosas e preciosas promessas e bênçãos (II Ped 1:2-4).
Como filhos, com Cristo sendo a nossa justiça, Deus se compadece de nós como um pai se compadece de seus filhos lembrando-se que a nossa estrutura é pó (Sal 103:13-14; 78: 38-39), guiando a cada um dos seus filhos como ovelhas e amados do Seu rebanho (Sal 78:52; 79:13; 95:7; 100:3).
Como filhos, Deus opera em nossas vidas para transformá-las em glória a Ele. Antes de termos a Cristo como a nossa justiça éramos filhos da desobediência e das trevas (Efés 1:1,2), vivendo apenas para os nossos interesses que nos levam para destruição e morte (Rom 6:23). Agora sendo filhos, Deus dirige as nossas vidas para que elas dêem glória ao Seu Santo Nome. Operando assim Ele nos dirige para que estejamos mais à conformidade da imagem de Cristo (Rom 8:29) e isso com o objetivo fazer com que tudo o que passa em nossas vidas coopere para o nosso bem e a Sua glória (Rom 8:28). Até mesmo as tribulações e os transtornos na nossa existência Deus os faz para que sejamos aperfeiçoados, confirmados, fortificados e fortalecidos (I Ped 5:10-11) para a Sua glória.
Como filhos, Deus nos dá maior atenção para o nosso crescimento. O que, segundo a sabedoria do homem, seria bom para nós, Deus não vê como sendo tão bom assim. O que ele quer será o melhor para nós. Deus nos corrige para o nosso próprio bem, para o nosso melhor conhecimento, para sermos perfeitamente abençoados. O filho precisa confiar que o pai sabe o que é melhor e isso para o seu bem (Prov. 3:11-12). Se estamos nos encontrando a sós, sem correção, então não somos filhos. A correção de Deus, então, torna-se uma prova, na relação de filho, de amor e de conforto (Heb 12:5-11).

"Que filho há a quem o pai não corrija? - Hebreus 12:7

Como está a sua vida? Está sendo tratado como filho, levado em amor particular para se conformar mais à imagem de Cristo, ou esta sendo tratado como o inimigo de Deus só conhecendo a sua misericórdia geral? Confie em Cristo, arrependa-se dos seus pecados. Assim você nascerá como filho na família de Deus e será tratado como filho, filho de Deus.
D. Podemos saber o que é reto - I Cor 2:15; I João 5:20, "nos deu entendimento"
Quando estávamos estabelecendo a nossa própria justiça (Rom 10:3) ou ignorando a necessidade de qualquer justiça (Lu 11:34-35, andávamos em trevas), andávamos de acordo com o nosso próprio entendimento. O Rei da nossa vida era a nossa carne (I João 2:16,17). O conselheiro da nossa carne era o nosso coração. A carne só quis pecado (Rom 7:8,17-18), e o coração só sabia engano (Jer 17:9). Tendo a carne satisfeita, segundo o nosso coração enganoso, nos satisfazemos completamente.
Quando Deus, em misericórdia, nos vivificou com Cristo, foi implantado em nós o "entendimento para conhecermos o que é verdadeiro" ( I João 5:20). Tendo a Cristo, como a nossa justiça, não dependemos mais da nossa esperteza. Temos a "mente de Cristo"(I Cor 2:16) e "o Espírito que provém de Deus" (I Cor 2:12). Com este novo entendimento podemos discernir bem a tudo, espiritualmente. O nosso Rei mudou, e o conselheiro também. Agora o Rei é a nova natureza e o conselheiro é o Espírito Santo operando pela Palavra de Deus em nós.
Tendo o novo entendimento uma mudança tremenda se operou em nós. Os velhos hábitos e costumes (da carne) entraram em choque com este novo entendimento (de Deus). As amizades anteriores (do mundo) não preencheram a alegria como antes. E graças a Deus que tudo não fica da mesma forma. A luz é melhor que as trevas; a esperança é melhor que o desespero. Sendo novos, temos uma nova natureza. Tendo uma nova natureza, queremos viver diferentemente. O nosso novo querer pode ser realizado, pois agora sabemos o que é reto. O Espírito de Deus está presente em nós nos guiando em toda a verdade (João 16:13). Podemos tomar novas decisões com o novo entendimento dado por Deus. A força para essa nova natureza viver em nós é dada por Deus pois Ele vêm viver em nós na pessoa do Espírito Santo (II Cor 6:16-18; I João 4:4).
Os efeitos de se obter este novo entendimento:
  • O amor verdadeiro toma o lugar do amor a si próprio
  • O conforto e a paz tomam o lugar da confusão
  • A longanimidade toma o lugar da impaciência da língua e das reações
  • A benignidade toma o lugar antes ocupado pela malícia
  • A fé toma o lugar da confiança na carne
  • A paciência toma o lugar de brigas e de discursos não adequados
  • A temperança toma o lugar dos apetites desordenados emocionais da rebelião e do egoísmo
  • As boas obras reformam as obras más que noutro tempo andamos
Gal 5:22, "fruto do Espírito"
Efés 2:3-10, "somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras"
Mas, tendo tudo novo em nós por Cristo, não quer dizer que o velho Rei da carne e o conselheiro, coração enganoso, morreram. Enquanto estamos nessa carne, o velho Rei vive e quer sempre reinar como antes. Há uma batalha constante agora. O novo Rei é maior que o velho, e o novo conselheiro da verdade é mais potente que o engano.
Podemos saber o que é reto tendo a Cristo como a nossa justiça. Podemos todas as coisas em Cristo que nos fortalece (Fil. 4:13). Essa é uma beleza, estarmos em Cristo, tendo a Ele como a nossa justiça. Cristo já é a sua justiça? Pare de estabelecer a sua própria justiça e confie na obra de Cristo pelos pecadores. Assim, conforme a Bíblia, Ele torna-se a sua justiça diante de Deus e você começa a saber o que é reto.
Correção gramatical: Albano Dalla Pria 5/98

Calvin Gardner

APRENDENDO COM NOÉ (PARTE 7)


 A ARCA DE NOÉ

TEXTO: Gn. 6:1-7

OBJETIVO: Mostrar que é possível viver uma vida de santidade nos dias de hoje.

CONTEXTO: A corrupção daquela época era muito grande, como nos dias de hoje.
·         O homem: mau, perverso, corrupto, egoísta, insensível, injusto.
·         Em função da maldade do homem, Deus se arrependeu de ter criado o homem, e limitou a vida até 120 anos.
·         Para quem vivia 500, 700, 800 anos, o limite de 120 anos era muito pouco para aquela época.
·         Mas a corrupção havia se multiplicado, mas Deus olhou para a terra e descobriu que havia no meio daquela corrupção, um homem justo, coração puro, e íntegro.
·         Deus faz uma proposta louca para Noé
-          Deus estava dando uma visão para Noé
-          Deus estava desafiando Noé
-          Deus estava dando um projeto de uma arca
·         Todas as pessoas viam Noé fabricando a arca, e achavam que ele havia ficado louco.
·         E Noé fez exatamente como o modelo que lhe havia dado.

ATITUDE:
·         Deus queria que Noé obedecesse exatamente como Ele havia proposto.
·         E a salvação da sua família dependia da obediência total ao plano de Deus.
·         E Noé entra com a sua família na arca com casal de cada animal (provisão de Deus para o homem).
·         Gn. 7:1,6 – E aconteceu como Deus havia dito

CONCLUSÃO: O mundo tem nos chamado de alienados, malucos por causa das coisas de Deus.  A arca parecia loucura porque nunca havia chovido.
·         Mas Deus está querendo que nós façamos uma arca nestes dias nos padrões de Deus.
·          A salvação é para nós e para toda família.
·         A fidelidade de Deus é para os que o buscam, para os que são retos diante de Deus
·         A igreja está clamando, construindo a arca e fechando as brechas para que no dia a dia do Senhor, sejamos salvos.

APLICAÇÃO: A obediência à Deus e a perseverança é a proteção que temos para nós e para nossa família, mesmo que isto pareça fanatismo ou loucura para os homens que perecem.


APRENDENDO COM JÓ (PARTE 8)



A GUERRA ESPIRITUAL, A PALAVRA DE DEUS E O DILEMA DE JÓ

O cenário do guerra

Os primeiros dois capítulos do livro de Jó definem o campo e os personagens deste conflito. Temos de um lado Deus que nos é apresentado como o Senhor soberano sobre tudo o que acontece na terra e no céu. As ações dos anjos e dos homens não lhe escapam aos olhos. Walter Wink afirma que "a fé no Israel primitivo, na verdade não tinha lugar para Satanás. Somente Deus era o Senhor e tudo o que acontecia, para o bem ou para o mal, era atribuído a Deus. "Eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro; diz o Senhor" .

Para o Velho Testamento, Deus sempre era a causa primeira e última de tudo o que acontecia no céu e na terra; ele assume total responsabilidade sobre o bem e o mal. Este é um conceito importante que veremos na forma como Jó enfrenta seu conflito espiritual.

De outro lado, temos o próprio Satanás, que se apresenta diante de Deus junto com os "filhos de Deus". Ele nos é apresentado como um acusador, expressão usada no Novo Testamento para definir seu papel. Ele levanta suspeitas quanto às motivações de Jó em ser tão íntegro e reto diante de Deus. Suas dúvidas colocam sob suspeita o testemunho de Deus e, consequentemente, as relações entre Deus e o homem. Ele não tem um poder próprio e não age independentemente de Deus. Suas ações, Deus assume como sendo suas próprias ações quando afirma que Satanás o havia "incitado contra ele (Jó), para o consumir sem causa" (Jó 2:3b). Satanás também reconhece isto ao dizer a Deus "estende, porém, a tua mão, toca-lhe nos ossos e na carne, e verás se não blasfema contra ti na tua face!" (Jó 2:5).

Embora a maldade tenha sido proposta e executada por Satanás, ele próprio reconhece que é a mão de Deus, em última análise, a responsável pelas aflições de Jó. Satanás não é um ser autônomo, independente, com liberdade plena para agir e fazer o que lhe interessa.
Por fim temos Jó, aquele sobre quem Satanás levanta suas suspeitas e que, aos olhos de Deus, é um homem íntegro, reto, temente a Deus e que se desvia do mal. O alvo das acusações de Satanás é o homem em sua relação com Deus.

Ele não duvida do que Deus afirma sobre seu servo Jó. Sua dúvida repousa sobre as motivações, as intenções secretas da devoção de Jó. Estas suspeitas não comprometem apenas as intenções de Jó mas, sobretudo, a aliança que Deus estabelece com seu povo.

A tese levantada é a de que ninguém adora e serve a Deus por nada. Por detrás de toda a retidão e integridade, o homem esconde sua verdadeira motivação que é a recompensa que espera receber de Deus. Satanás duvida que alguém possa amar a Deus sem esperar alguma retribuição. Se as suspeitas de Satanás forem confirmadas, ele encontra a justificação para sua própria queda.

O centro da guerra espiritual se dá na arena do conflito relacional e afetivo e não no do poder.

A estratégia de Satanás

Deus aposta no poder do amor, do relacionamento que existe por causa do afeto. Este é o poder que ele dispõe para enfrentar a aposta que Satanás propõe. Por natureza, é um poder frágil, cuja força está em cativar o coração e obter deste uma resposta igualmente afetiva e amorosa.

A guerra espiritual, na perspectiva de Jó, não é uma disputa de poder entre duas forças que se digladiam buscando provar quem é maior e o mais forte. Antes, é um conflito entre Deus, que ama gratuitamente e incondicionalmente e o acusador que usa todos os recursos possíveis para provar a impossibilidade deste amor. O que está em jogo na aposta entre Deus e Satanás é a relação de Jó com seu Senhor.

Numa outra cena semelhante, a da tentação no deserto, o que está em jogo ali é também a mesma coisa. Quando Satanás se aproxima de Jesus para tentá-lo, a primeira pergunta foi: "se és Filho de Deus, manda…" A dúvida lançada não era em relação ao poder de Jesus de transformar pedras em pães ou saltar do alto do templo e ordenar aos anjos que lhe socorressem. A dúvida era em relação à voz que ele acabara de ouvir no Jordão dizendo: "este é o meu Filho amado em quem tenho o meu prazer".

A preocupação de Satanás não está no poder de Jesus para transformar pedras ou dar qualquer show que demonstre sua habilidade em manipular as forças cósmicas; sua preocupação está em levantar suspeitas, colocar sob dúvidas e, por fim, arruinar a relação única que o Filho tem com o Pai.
Durante toda a vida e missão de Jesus, sua luta espiritual foi preservar o vínculo amoroso, afetivo e obediente que ele tinha em relação ao Pai. Seu último suspiro, depois de toda a vergonha e humilhação do Calvário, foi mais uma vez afirmar seu amor ao Pai dizendo: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito".

Foi esta relação de amor e afeto que venceu o pecado, que trouxe o triunfo da cruz. A cruz é o triunfo do amor sobre o poder. A opção pelo poder é uma opção maligna. É por isto que Jó recusa o caminho tão comum e popular da guerra espiritual moderna, o do dualismo, que vê o mundo dividido entre dois grandes poderes, duas grandes forças que disputam o domínio e o controle dos homens e da história.
Recentemente, foi publicado no Brasil um livro sobre a batalha espiritual que define a batalha espiritual com os seguintes dizeres: "Há no mundo dois reinos em conflito, duas forças que se chocam em combate pelo destino eterno dos seres humanos, dois poderes em confronto: O poder das trevas contra o poder da luz".

Para o editor, o mundo está literalmente dividido entre duas grandes forças, uma do bem e outra do mal, e que precisamos urgentemente optar por um lado, sacar as armas espirituais e partir para defender o ameaçado reino do Senhor Jesus.

Jó não vê o mundo assim. Para ele, o Senhor reina. Logo após ter sido violentamente afligido pelas catástrofes provocadas por Satanás, ele não diz: "O Senhor deu e Satanás tomou, agora devo amarrar e reivindicar o que me foi tirado"; pelo contrário, sua afirmação revela que, mesmo tendo sido Satanás o autor de toda a desgraça que sobreveio a ele e sua família, ele continua colocando Deus no centro de todos os acontecimentos ao declarar: "o Senhor deu, o Senhor tomou, bendito seja o nome do Senhor".

Quando abraçamos o dualismo, a guerra espiritual transforma-se numa disputa de poder; temos que provar quem é mais forte, mais competente. Entramos na arena criada pelo próprio Satanás e passamos a lutar com suas armas. Optamos pelo poder, pelo domínio, e caímos na grande armadilha que ele nos preparou. Jesus, quando provocado, nunca se valeu do seu poder para se auto afirmar perante Satanás ou mesmo o mundo. Um dos ladrões que fora crucificado com ele disse-lhe: "Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também", no entanto, Jesus não precisou dar nenhuma prova do seu poder para mostrar que era de fato o Cristo de Deus, porque o seu poder fora definido na voz do Jordão.
Um dos perigos que a guerra espiritual trás é o de induzir-nos a usar as mesmas armas de Satanás, as armas do poder. O mundo não está dividido entre duas grandes forças. Por isto, como afirma C. S. Lewis, não há uma guerra espiritual mas sim, uma rebelião interna e o rebelde encontra-se sob controle. O poder que venceu o pecado foi o poder do amor, da encarnação, da entrega, da doação. Esta é a arma da nossa guerra. O que Satanás queria era mostrar que ninguém ama a Deus por nada, que ninguém busca e serve a Deus simplesmente por que Deus é Deus; que a integridade e retidão de Jó nada mais eram do que artifícios para conquistar os favores de Deus.

É importante notar que as armas de Deus não são as mesmas de Satanás. Enquanto Satanás se vale da violência, destruição, sofrimento e dor, mostrando seu arsenal poderoso, Deus se vale da aliança feita pelo seu nome.

Esta compreensão dualista da guerra espiritual que tomou conta da igreja evangélica no Brasil e na América Latina tem causado outras conseqüências previsíveis como o surgimento da teologia da prosperidade e a ambição pelo poder político. Ambos são reflexos de uma mesma visão espiritual que coloca os crentes dentro da arena criada Satanás onde ele mesmo é quem distribui as armas. Na luta pelo poder, seja ela qual for, Satanás será sempre o vencedor. As armas de Deus são outras, seu poder transforma a vida e a alma humana, nos livra das ambições do poder, nos tornam mais submissos e obedientes a ele e sua Palavra, mais comprometidos com o seu reino e sua justiça.

As transformações em Jó

Como já vimos, o drama de Jó reflete uma aposta que Deus e Satanás fizeram em relação às motivações secretas que levam-no a ser íntegro e reto. Deus aposta na resposta do amor, e Satanás na da retribuição como expressão do egoísmo. O sofrimento imposto a Jó é para provar de que lado ele vai ficar.

Os amigos entram em cena e logo mostram que sua teologia reforça o argumento de Satanás. Para eles a lógica é simples: Deus abençoa o justo e pune o pecador, portanto, se Jó esta sofrendo, é porque pecou. Sendo assim, ele deveria reconhecer seu pecado, confessá-lo, a fim de receber de volta o que lhe havia sido tirado.



Noutras palavras, Jó deveria buscar a Deus, não por causa de Deus, mas por causa dele mesmo. Ele era a razão da sua fé e o objeto do seu amor. Jó, no princípio embora adepto desta teologia da retribuição, rejeita este argumento e reafirma sua inocência.

Na sua luta espiritual, ele tem uma opção em três: reconhecer que seus amigos têm razão e que Deus é justo, o que o levaria a negar sua inocência e a buscar a Deus por causa de si mesmo; reconhecer que seus amigos têm razão e que ele é inocente, o que o levaria a negar a Deus, e reconhecer que Deus é justo e que ele é inocente, o que o levaria a negar a teologia dos amigos.

Jó opta pela última. Esta opção o leva a experimentar uma profunda transformação na sua linguagem que Gustavo Gutiérrez chama de "Linguagem Profética e a Linguagem da contemplação".

A linguagem profética nasce da constatação que Jó teve de que há outros inocentes como ele no mundo, que sofrem a opressão daqueles que ambicionam o poder. Ele começa a falar para os pobres e sofredores com a linguagem de quem conhece a dor do inocente.

A linguagem da contemplação nasce da revelação de Deus como Senhor livre e soberano, cujos atos e justiça não são determinados pelo homem, mas pela gratuidade do seu amor. Ao reconhecer a grandeza e majestade de Deus, Jó se curva e declara que agora seus olhos o vêem. O propósito da guerra espiritual na experiência de Jó não foi determinada pela sua capacidade de vencer as catástrofes, nem mostrar que o poder de Deus é maior que o de Satanás. O propósito foi o de render seu coração, transformar sua teologia (uma vez que ele pensava como seus amigos) e viver um encontro com Deus que transformou sua linguagem sobre Deus.

A derrota de Satanás não foi medida pelo poder, mas pela rendição ao amor gratuito e incondicional de Deus. Penso que esta foi também a guerra espiritual vivida por Pedro quando o próprio Senhor o chamou e disse: "Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo. Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos" (Lc. 22:31, 32).

A resposta de Jesus a Satanás que reclamou o desejo de peneirar a Pedro não foi aquela clássica de nossas batalhas espirituais: "tá amarrado". Pelo contrário, Jesus disse apenas que iria orar por ele para que sua fé não desfalecesse.
Era necessário que Pedro passasse pela peneira. Sua índole era por demais impulsiva. Suas armas de guerra precisavam ser neutralizadas para que pudesse humildemente confessar seu amor ao Senhor.

Tudo o que Jesus queria era uma declaração de amor, e não a arrogância do poder. Pedro foi também transformado pelo poder do amor de Deus e experimentou uma nova linguagem para falar de Deus.

A guerra espiritual e o silêncio de Deus A luta espiritual vivida por Jó, Jesus e Pedro, tem um elemento comum que é o silêncio de Deus. Parece-me que em todas elas Deus permite aquilo que Jesus afirma acerca de Pedro: deixar que Satanás o peneire. O Silêncio de Deus não é o silêncio da indiferença, mas o da oração e da intercessão.

A resposta final deste silêncio é a afirmação de que, apesar do sofrimento imposto por Satanás, nosso coração continua sendo eternamente de Deus. A afirmação do amor que temos pelo Senhor é a resposta final de toda a luta espiritual.

Não se trata de uma disputa de poder, de demonstrar quem é mais poderoso e domina o universo; esta tentação Jesus venceu no deserto.
Deus não está preocupado em demonstrar seu domínio e soberania porque ele é de fato o Senhor absoluto e soberano e isto nunca foi colocado em disputa; sua glória ele não divide com ninguém, nem mesmo com Satanás.

A razão da guerra espiritual é demonstrar a quem nosso coração pertence. Diante desta finalidade, Deus se faz silencioso na espera de nossa resposta. Em algumas situações bíblicas onde Satanás impõe o sofrimento como instrumento de desmascaramento de nossas motivações mais secretas, vemos que Deus guarda o silêncio esperando nossa resposta. Foi assim com Jó, com Pedro e com o próprio Senhor. Também foi assim com Abraão quando leva seu filho Isaque para o altar do sacrifício. O papel de "acusador dos irmãos" mostra que Satanás desempenha um lugar importante no plano eterno de Deus: o de denunciar nossas máscaras e hipocrisias. É por isto que Jó, em momento algum de sua guerra espiritual, trata com Satanás, mas com Deus. Deus é seu advogado e justificador, é ele quem defende sua causa e é dele que Jó espera receber a absolvição.
  
Conclusão

A percepção da guera espiritual como uma disputa pelo poder de domínio e controle do homem, do mundo e da história acabou levando a igreja evangélica a optar pelas mesmas armas de Satanás, e perder o sentido mais profundo e verdadeiro da luta espiritual que é o de nos transformar, transformar nossos conceitos, valores e teologias que tentam enquadrar Deus nos esquemas malignos do poder. Nosso chamado é para subir ao Calvário, para sofrer todas as implicações do amor e do serviço, e resistir todas as investidas malignas que tentam nos afastar do caminho para Jerusalém. A vitória espiritual é a resposta do amor incondicional e desinteressado a Deus e ao seu reino. Enquanto permanecermos íntegros nas nossas motivações e desejos; enquanto permanecermos no caminho do discipulado e da cruz; enquanto permanecermos obedientes e submissos ao Senhor e sua Palavra, permaneceremos do lado de quem é e sempre será o vencedor.


Ricardo Barbosa de Sousa



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