quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

APRENDENDO COM JESUS


Jesus e a mulher samaritana

A mulher samaritana quando descobriu que estava diante de um profeta, quis saber de questões de ordem espiritual: adoração, e deixou suas necessidades pessoais em segundo plano.

A mulher samaritana

 “Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta!” ( Jo 4:19 )
O evangelista João deixou registrado que tudo o que escreveu tinha por objetivo levar os seus leitores a crerem que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo, e crendo, tivessem vida em abundância “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” ( Jo 20:31 ).
Em especial, há na história da mulher samaritana elementos que demonstram que Cristo é o Filho do Deus vivo, o Filho de Davi prometido nas Escrituras.
O evangelista João deixou registrado que, quando Jesus verificou que os fariseus haviam ouvido que Ele operava muitos milagres e que batizava muito mais que João Batista, deixou a Judeia e dirigiu-se para a Galileia ( Jo 4: 2-3), e que teve que passar por Samaria ( Lc 17:11 ).
Jesus foi a uma cidade de Samaria chamada Sicar, cujo território era uma herdade que Jacó deu ao seu filho José ( Jo 4:5 ). O local onde Jesus foi em Sicar possuía um poço perfurado por Jacó.
O evangelista evidencia a humanidade de Jesus ao descrever seu cansaço, fome e sede. Ao mencionar que seus discípulos foram comprar comida, dá-nos a entender que Jesus precisa se alimentar, que se assentou porque estava cansado e, ao solicitar à mulher samaritana água, fica implícito que estava com sede.
Embora a tônica da abordagem do evangelista não tenha sido de demonstrar que o Senhor Jesus estava com sede de água, pois o que ficou evidente foi a sua necessidade de anunciar as boas novas do reino à mulher, fica explicito que Jesus veio em carne ( 1Jo 4:2 -3 e 2Jo 1:7).
Jesus se assentou junto ao poço de Jacó, perto da hora sexta (meio-dia) ( Jo 4:6 e 8 ), momento em que uma mulher samaritana chega junto à fonte para tirar água (nomear alguém pelo nome da cidade era desonroso, pois demonstrava que tal indivíduo não pertencia à comunidade de Israel), e foi abordada pelo Mestre que lhe dirigiu a palavra dizendo: – Dá-me de beber ( Jo 4:7 ).
A atitude do Senhor para com a samaritana (solicitar água) trouxe à tona o que todo homem e mulher possuem de mais nobre: a razão, o raciocínio ( Jó 32:8 ).
Obrigatoriamente a mulher formulou uma questão com base em uma gama de conhecimento prévio. Ela não formulou o pensamento mais brilhante da humanidade, mas trouxe a lume uma questão importante para aquela mulher e para o seu povo: – Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? ( Jo 4:9 ).
Os samaritanos eram discriminados pelos judeus, mas Jesus, apesar de ser Judeu, não deu importância a esta questão, antes a mulher serviu muito bem ao propósito d’Ele naquele momento.
Na pergunta, a mulher destaca que era mulher e ao mesmo tempo samaritana, ou seja, que havia um impedimento duplo àquele homem que, aparentemente, deveria ser mais um judeu zeloso da sua religiosidade.
Muitos questionamentos surgiram na cabeça da samaritana, pois Jesus ignorou práticas e regras pertinentes ao judaísmo ao solicitar água. – Será que ele não percebeu que sou mulher e samaritana? Será que ele beberá da água que eu lhe der sem receio de se contaminar?

O Dom de Deus
Depois de despertar o raciocínio da samaritana, Jesus estimula ainda mais o interesse da mulher: – Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.
A mulher samaritana não alcançou de imediato a excelência das palavras de Cristo, pois ela não possuía experiência na verdade “Mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal” ( Hb 5:14 ).
Se a samaritana tivesse a mente exercitada na verdade não faria a pergunta: – Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? Pela argumentação, dá para perceber que a Samaritana se foca na impossibilidade de alcançar água sem os meios necessários, porém, não contestou o que Jesus afirmou sobre possuir água viva.
Não considerando a argumentação inicial de Jesus acerca do dom de Deus, ela analisou: – És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e os seus filhos, e o seu gado?
Oferecer uma alternativa de água sem ser a água do poço de Jacó fez parecer à samaritana que aquele judeu desconhecido era, no mínimo, presunçoso, pois se colocou em uma posição superior à de Jacó, que deixou o poço como legado aos seus filhos e, que naquele momento, provia a necessidade de muitos samaritanos.
As questões seguintes precisavam de respostas: – Tu não tens com que tirar água e o poço é fundo! Onde tens água viva?
Mas Jesus estava trabalhando para que o “ouvir” daquela mulher fosse despertado pela palavra de Deus, pois sua proposta dava a conhecer que Ele era, de fato, superior ao próprio pai Jacó.
É neste ponto que estava a deficiência de conhecimento da samaritana, pois se ela conhecesse quem era Jesus, concomitantemente conheceria o dom de Deus, pois Cristo é o dom de Deus.
Se ela conhecesse quem era que pedia: – Dá-me de beber, saberia que Ele era maior que o pai Jacó, saberia que Cristo era o descendente prometido a Abraão em quem todas as famílias da terra seriam bem-aventuradas ( Gn 28:14 ).
Se ela conhecesse quem era o Cristo, veria que através da água que Cristo estava oferecendo, de fato e de direito ela se tornaria um dos filhos de Abraão. Se ela conhecesse a Cristo, veria que os filhos segundo a carne não são os filhos de Abraão, e sim os filhos da Fé, a descendência do último Adão (Cristo) que estava se manifestando ao mundo ( Gl 3:26 -29; Rm 9:8 ).
Se ela conhecesse a Cristo, veria que apesar de fazer parte entre os últimos poderia tomar parte entre os primeiros, pois através do Descendente é possível a todos os povos serem bem-aventurada como o crente Abraão ( Mt 19:30 ).
Se ela conhecesse Aquele que pedia de beber e que estava lhe oferecendo água viva, veria que Ele é o dom de Deus, pois é Cristo que dá vida ao mundo ( Jo 1:4 ). Ela veria que Ele é o sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, por quem todos os homens, de qualquer tribo ou língua, podem oferecer dons e serem aceitos por Deus “Tu subiste ao alto, levaste cativo o cativeiro, recebeste dons para os homens, e até para os rebeldes, para que o SENHOR Deus habitasse entre eles” ( Sl 68:18 ).
Deus deu testemunho da oferta (dons) que Abel oferecera por causa daquele que subiria ao alto levando cativo o cativeiro, o sumo sacerdote constituído por Deus sem principio e fim (eterno) de dias ( Hb 7:3), que ofereceu-se a si mesmo como Cordeiro imaculado a Deus, e só através d’Ele os homens são aceitos por Deus ( Hb 7:25 ).

As necessidades diárias
A pergunta da mulher: – És tu maior que o nosso pai Jacó?, foi pertinente, porém, ainda não lhe permitia identificar quem era aquele homem que lhe pedia água da fonte de Jacó e, ao mesmo tempo, ofereceu água viva “Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna” ( Jo 4:14 ).
É de se estranhar que a mulher samaritana, que teve um pensamento elaborado ao perceber que Jesus estava dando a entender ser maior que o pai Jacó, tenha aceitado a proposta d’Ele, que possuía uma água que impediria de ter sede, no entanto pedir-lhe água junto ao poço de Jacó.
A proposta de Jesus era clara: ‘Aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede’, e para que ele queria água, se tinha água superior?
A mulher se interessou pela oferta de Jesus, porém o seu entendimento estava turvado.
O que levou a mulher a querer da água que Jesus lhe oferecera, mesmo estando o Mestre com sede?
A resposta encontra-se no pedido da samaritana: – SENHOR, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, e não venha aqui tirá-la. Em nossos dias é quase inimaginável o trabalho que aquela mulher tinha para adquirir um pouco de água. Era a hora sexta quando a mulher fora buscar água para suprir as suas necessidades básicas.
Enquanto em nossos dias o que muitos entendem por básico, essencial, é diferente do que aquela mulher necessitava, é possível dimensionar o quanto aquilo que o homem entende por essencial turva o raciocínio. Se o que é essencial compromete o entendimento quanto ao proposto no evangelho, que se dirá dos negócios desta vida?
Um homem que a mulher samaritana não conhecia pediu água e, agora oferecia uma água com propriedades inimagináveis: saciaria sua sede de modo a não mais necessitar beber água novamente.
Quando a mulher demonstrou interesse pela ‘água viva’, Jesus lhe disse: – Vai, chama o teu marido, e vem cá. A mulher respondeu: – Não tenho marido. Jesus respondeu: – Disseste bem: Não tenho marido; Porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade.
Observe que Jesus não emitiu um juízo de valores sobre a condição da mulher, pois Ele mesmo disse que a ninguém julga segundo a carne, pois Ele não veio julgar o mundo, mas salvar ( Jo 8:15 ; Jo 12:47 ).
Neste momento a mulher reconheceu Jesus como profeta: – Senhor, vejo que és profeta! É interessante a mulher samaritana ter reconhecido aquele judeu como profeta de pronto e, ao mesmo tempo, surpreendentemente, formular a pergunta que vem a seguir: – Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.
Quando a mulher samaritana descobriu que Cristo era profeta, deixou as suas necessidades básicas de lado, e passou a indagar qual o local de adoração.
Como samaritana, ela conhecia muito bem a história que levou os judeus a não se comunicarem com os samaritanos. No livro de Esdras consta um dos desentendimentos que houve entre judeus e samaritanos em virtude dos judeus não permitirem que os samaritanos ajudassem a construir o segundo templo sob ordem de Ciro ( Ed 4:1 -24), sendo que a sedição teve início porque o rei da Assíria instalou nas cidades de Samaria povos oriundos da Babilônia que passaram a habitar a região, substituindo o povo de Israel que anteriormente foram levados cativos e, que adotaram a religião judaica ( 2Rs 17:24 comp. Ed 4:2 e 9-10).
A questão quanto ao local da adoração era milenar e, diante de um profeta, suas pendengas diárias deixaram de ter importância, pois a oportunidade era única: descobrir o local de adoração e como adorar.
É curioso saber qual seria a reação, em nossos dias, caso um cristão descobrisse que estava perante um profeta? Quais seriam as indagações para alguém que se apresentasse como profeta?
Imagino que se os cristãos dos nossos dias encontrassem um profeta, as perguntas seriam: – Quando vou adquirir minha casa? Quando terei meu carro? Quando vou casar? Com quem vou casar? Meu filho será homem ou mulher? Quando quitarei minhas dividas? Vou ficar rico? Etc.
Mas a samaritana, ao descobrir que estava perante um profeta, quis saber de questões de ordem espiritual, deixando suas necessidades terrenas em segundo plano. Não era importante saber se teria um marido, ou se iria deixar de caminhar até o poço de Jacó para tirar água. Ora, a questão do lugar da adoração arrastava-se por gerações e aquela era uma oportunidade que não poderia perder.
Com a declaração: – Vejo que és profeta!, podemos considerar que a mulher compreendeu o que realmente estava acontecendo.
Diferente dos outros judeus que se fixavam na sua religiosidade, legalismo e ritualismo, os profetas de Israel não eram judeus presos a tais amarras.
Foi o mesmo que dizer: – Ah, agora compreendi! O senhor é como Elias e Eliseu, profetas que não se fizeram de rogados perante os outros povos, visto que ambos foram a outras nações e, inclusive entraram na casa de órfãos, viúvas, etc. Somente sendo um profeta para se comunicar com uma mulher samaritana, pois Elias foi à casa de uma viúva que habitava em Sarepta, nas terras de Sidon e lhe pediu água a beber: “Traze-me, peço-te, num vaso um pouco de água que beba” ( 1Rs 17:10 ). Eliseu, por sua vez, servia-se do que lhe era oferecido por uma mulher rica que habitava na cidade de Suném, que semelhantemente era nomeada a partir do nome da cidade como era o caso da samaritana ( 2Rs 4:8 ).
É de extrema importância analisar a história de Nicodemos comparando com a da samaritana, pois diante de Deus um homem com todas as qualidades morais e intelectuais como era o caso de Nicodemos é igual a alguém sem mérito algum, como era o caso da mulher samaritana.

A adoração
Foi quando Jesus respondeu: – Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Jesus ensinou à samaritana que havia chegado o tempo previsto, pois a adoração não mais estava vinculado a um monte, seja o monte de Jerusalém ou o de Samaria.
Jesus solicitou à mulher samaritana que cresse n’Ele e que acatasse o seu ensinamento “Mulher, crê-me…” (v. 21). Em seguida aborda uma questão comum aos judeus e samaritanos: “Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus”. Embora os samaritanos entendessem que adoravam a Deus, contudo adoravam-No sem conhecê-Lo. A condição dos samaritanos é a que o apóstolo Paulo retratou aos cristãos em Éfeso:
“Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo” ( Ef 2:11 -12).
Ter disposição para adorar a Deus não confere ao homem a condição de verdadeiro adorador, pois igualmente os judeus adoravam, e adoravam o que conheciam, pois a salvação vem dos judeus ( Jo 4:22 ), porém, tal adoração não era em espirito e em verdade (v. 23). Sobre este fato, protestava os profetas: “Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído” ( Is 29:13 ).
A declaração de Jesus iguala judeus e samaritanos, pois ambos acreditavam que adoravam a Deus, porém, a adoração deles era algo proveniente somente da boca, mas longe dos ‘rins’ “Plantaste-os, e eles se arraigaram; crescem, dão também fruto; chegado estás à sua boca, porém longe dos seus rins” ( Jr 12:2 ).
Jesus apresenta a concepção verdadeira de adoração, quando diz: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem” (v. 23 ). A adoração a Deus só é possível em espírito e em verdade, diferente da adoração com os lábios, que se refere a uma ‘aproximação’ de Deus somente com os lábios, possui aparência, porém, o coração continua alienado de Deus.
O que o Pai procura? Verdadeiros adoradores, ou seja, os que adoram em espirito e em verdade. Segundo as Escrituras, os olhos de Deus procuram os justos, os fiéis sobre a face da terra, pois somente os que trilham o caminho reto podem servi-lo “Os meus olhos estarão sobre os fiéis da terra, para que se assentem comigo; o que anda num caminho retoesse me servirá” ( Sl 101:6 ), o que contrasta com a condição do povo de Israel: “Todavia me procuram cada dia, tomam prazer em saber os meus caminhos, como um povo que pratica justiça, e não deixa o direito do seu Deus; perguntam-me pelos direitos da justiça, e têm prazer em se chegarem a Deus” ( Is 58:2 ).
Ou seja, Deus está próximo dos que O invocam, porém, dos que O invocam em verdade “Perto está o SENHOR de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade” ( Sl 145:18 ). Somente invocando a Deus ‘em verdade’ a inimizade é desfeita e a comunhão é restabelecida a ponto de o homem se assentar com Deus “E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” ( Ef 2:6 ).
Como invocar a Deus em verdade? Entrando pela porta da retidão. Somente aqueles que entram pela porta da retidão rende verdadeiro louvor a Deus ( Sl 118:19 ). Só os que entram pela porta do Senhor são fiéis e justos ( Sl 118:20 ), e tão somente sobre estes, os olhos do Senhor está.
Jesus deixa claro que: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”, ora, Deus é Espírito, e Jesus complementa que as palavras que Ele disse são espírito e vida ( Jo 7:63 ), portanto, para adorar em espírito e em verdade é necessário ao homem nascer da água e do Espírito ( Jo 3:5 ), nascer das palavras ditas por Cristo.

A certeza da mulher samaritana
Apesar da necessidade diária de ter que buscar água, o que indicava a condição humilde daquela mulher, pois não dispunha de um escravo, ela possuía uma esperança. Apesar de não pertencer à comunidade de Israel, ela tinha um certeza: – Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier, nos anunciará tudo.
De onde veio tamanha certeza? Ora, tal certeza era proveniente das Escrituras. A confiança dela era firme, pois ela não esperava ter um poço particular, ou um marido só seu. As Escrituras não prometiam melhora financeira ou familiar, mas indicava que haveria de vir o Cristo, o mediador entre Deus e os homens, e que Ele daria a conhecer aos homens tudo o que é pertinente ao reino de Deus.
Diante da confiança da mulher nas Escrituras, Jesus se revela: – Eu o sou, eu que falo contigo! Por que Jesus se revelou àquela mulher, se em outras passagens bíblicas ele orienta os seus discípulos a não revelarem a ninguém que Ele era o Cristo? ( Mt 16:20 ) Porque a verdadeira confissão é aquela que decorre do testemunho que as Escrituras dá acerca do Cristo ( Jo 5:32 e 39 ), e não de sinais miraculosos ( Jo 1:50 ; Jo 6:30 ).
Naquele instante os discípulos chegaram e ficaram perplexos com o fato de Cristo estar falando com uma mulher “E nisto vieram os seus discípulos, e maravilharam-se de que estivesse falando com uma mulher; todavia nenhum lhe disse: Que perguntas? ou: Por que falas com ela?” (v. 27).
A mulher samaritana abandonou o seu intento e correu à cidade e convocou os homens para que investigassem se o judeu junto à fonte de Jacó era o Cristo “Deixou, pois, a mulher o seu cântaro, e foi à cidade, e disse àqueles homens: Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Porventura não é este o Cristo?” (v. 28 e 29)
Como à época uma mulher era uma cidadã de segunda classe, ela não impôs a sua crença, antes incita os homens a irem até Jesus e que analisassem as palavras d’Ele. Os moradores da cidade saíram e foram ter com Cristo “Saíram, pois, da cidade, e foram ter com ele” (v. 30).
Novamente as marcas de um verdadeiro profeta tornaram-se evidente: “E escandalizavam-se nele. Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra, a não ser na sua pátria e na sua casa” ( Mt 13:57 ). Entre os estrangeiros Jesus foi honrado como profeta, diferente de sua pátria e casa ( Mt 13:54 ).
Os discípulos rogaram ao Mestre: – Rabí, come. Jesus respondeu-lhes: – Uma comida tenho a comer que vós não conheceis.
A concepção deles ainda estava focada em necessidades humanas. Foi quando Jesus lhes declarou que estava ‘faminto’ para fazer a vontade do seu Pai, e realizar a sua obra. Que obra seria? A resposta está em João 6, verso 29: “A obra de Deus é esta: crede naquele que ele enviou”.
Enquanto os seus discípulos sabiam ler os tempos em que se dava o plantio e a sega deste mundo ( Jo 4:34 ), Jesus estava ‘vendo’ os campos brancos para a ceifa do Pai. Desde aquele momento em que Cristo estava se manifestando ao mundo os ceifeiros já recebiam o seu salário, e a colheita para a vida eterna já havia iniciado, e ambos, o semeador e ceifeiro, estavam regozijados pela obra realizada (v. 36).
Jesus cita um ditado: “Um é o semeador, e outro o ceifeiro” (v. 37), e alerta os seus discípulos que estavam sendo comissionados a ceifar em campos que não trabalharam (v. 38). Que campos são estes? Ora, os campos que Jesus viu como prontos para a colheita eram os gentios. Eles nunca haviam trabalhado entre os gentios, agora foram comissionados a trabalhar entre os gentios, pois outros já haviam feito este mister, ou seja, alguns profetas como Elias e Eliseu haviam ido aos gentios prefigurando a missão que haveriam de desempenhar (v. 38).
Por causa do testemunho da mulher, que disse: – Disse-me tudo o que tenho feito, muitos dos samaritanos creram em Cristo. Como? Por ela ter dito: – Disse-me tudo o que tenho feito, Jesus foi ter com os samaritanos e permaneceu dois dias com eles, e creram nele por causa das suas palavras ( Jo 4:41 ).
Eles não creram em Cristo somente pelo testemunho da mulher, antes creram porque, ouvindo Cristo anunciar-lhes o reino dos céus, creram que Ele verdadeiramente era o Salvador do mundo ( Jo 4:42 ).

Distorções
Enquanto a proposta das Escrituras e de Cristo era que os homens cressem que Ele é o Salvador do mundo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, etc., em nossos dias há diversos tipos de evangelhos que não promovem a verdadeira obra de Deus, que é: que os homens creiam em Cristo como o enviado de Deus.
A esperança deles não é quanto ao mundo vindouro, em que Cristo virá e levará os que creem para junto d’Ele ( Jo 14:1 -4), antes fixam se nas coisas e anseios deste mundo.
Muitos falsos mestres chamam a atenção dos incautos apontando-lhes necessidades diárias. Por quê? Porque as necessidades dos homens turvam o raciocínio e não os deixa analisar questões lógicas essenciais. O discurso dos falsos mestres sempre aponta para as necessidades do dia a dia para confundir os incautos, pois os seus discursos são vãos.
Há aqueles que se cercarão de mestres segundo os seus interesses e que se voltam às fábulas ( 2Tm 4:4 ). Outros consideram que Cristo é fonte de lucro, e cooptam aqueles que querem ficar ricos ( 1Tm 6:5 -9).
Mas, há também aqueles que possuem aparência de piedade, que não passa de mais uma religião, pois a mensagem deles tem por alvo os órfãos e as viúvas, lutam pela causa dos pobres e necessitados de bens materiais, porém, negam a eficácia do evangelho, pois contrariam verdades essências como a ressurreição futura dentre os mortos e a volta de Jesus ( 2Tm 2:18 e 3:5; “Porque, qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória? Porventura não o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda?”
 ( 1Ts 2:19 ).


APRENDENDO COM PAULO (PARTE 41)


A PERSPECTIVA MISSIONÁRIA DE PAULO - I
I – Introdução
A vida de Paulo é uma riqueza sem fim. Para qualquer aspecto do ministério dele, que focalizarmos nosso olhar, não faltará material de pesquisa, seja para estudá-lo como teólogo, escritor, pastor e mestre, ou missionário. Embora, para este último caso, não exista ainda um bom acervo da missiologia de Paulo, sobretudo em língua portuguesa. É lamentável, porque Paulo, o missionário é, com certeza, uma das facetas mais importantes do apóstolo.
Não encontrei, em português, um livro sequer com o título de Paulo, o missionário. Em inglês existe apenas (até onde temos conhecimento) o livro Paul the missionary, de William M. Taylor, publicado pela Harper & Brothers Publishers em 1902. É verdade que existem livros e artigos, tanto em português quanto em inglês (alguns deles são citados neste ensaio bíblico-teológico), que tratam da obra missionária de Paulo como um todo, porém, somente o livro de Taylor traz em sua capa um título específico.
Neste meu estudo veremos como a teologia de Paulo subsidiava a sua missão, qual a natureza dessa teologia, como era feita, qual a influência de sua missiologia sobre ela e como o apóstolo entendia a dinâmica de sua missão no contexto de seu ministério apostólico. Além disso, quais eram as verdadeiras motivações missionárias dele? Eram tão somente teológicas, apocalípticas e escatológicas ou envolviam mais alguma coisa? E quanto à estratégia de trabalho, o apóstolo possuía alguma? Qual? Enfim, qual era a perspectiva missionária de Paulo?
A estas e outras perguntas tentaremos responder no decorrer deste estudo.
II – Estudo Gramatical
A palavra "missionário" não aparece na Bíblia. O termo equivalente no Novo Testamento é "apóstolo". Entretanto, não existe unanimidade entre os estudiosos quanto ao uso de apóstolos como sinônimo para "missionário". Everett Harrison (In EHTIC, 1988, p. 104), por exemplo, observa que não há justificativa para fazer de "apóstolo" o equivalente de missionário. Johannes Blaw (A Natureza Missionária da Igreja, 1966, pp. 77,8), por sua vez, reconhece que originalmente os termos "apóstolo" e "missionário" não eram sinônimos, mas depois houve uma mudança. Diz ele:
Antes de mais nada deve ficar entendido que a palavra "apóstolo", na sua origem e significação, não é sinônima de "missionário", no sentido comumente atribuído a este último termo. (...). Só depois da ressurreição (de Cristo) o título "apóstolo" toma a conotação especial de "missionário", de enviado às partes extremas da terra.
Concordamos com Blaw e, principalmente, com Timóteo Carriker (Missões na Bíblia, 1992, p. 120), por afirmar: O termo missionário vem do latim, que, por sua vez, traduz a palavra grega apostolos, a qual significa o enviado (1).
2.1 O significado amplo de apóstolos
a. No grego clássico
No grego clássico, o substantivo apóstolos aparece pela primeira vez na linguagem marítima, significando um navio de carga ou a frota enviada. Mais tarde passou a designar o comandante de uma expedição naval e também um grupo de colonizadores enviados para além-mar. Nos papiros podia designar uma fatura, ou mesmo um passaporte. Somente em duas passagens em Heródoto é que apóstolos significa um enviado ou emissário como pessoa individual. Os termos comuns são aggelos (mensageiro) ou keryx (arauto). O historiador Flávio Josefo usou apóstolos ao tratar de um grupo de judeus enviados para Roma (Ant. In NDTNT, p. 234).
Todos os empregos de apóstolos no grego clássico têm duas idéias em comum. 1) Uma comissão expressa e 2) Ser enviado para além-mar. Assim, conforme lembram Eicken e Lindner, o sentido da raiz, no caso do substantivo, é estreitado na sua definição (In DITNT, 1984, p. 234).
Acredita-se (2) que foi somente mais tarde, nos círculos gnósticos, que o termo apóstolos passou a transmitir o conceito oriental de emissários como mediadores da revelação de Deus. No gnosticismo o termo em questão podia ser empregado no singular (apóstolos) para se referir a um salvador celestial, ou no plural (apostoloi), para representar certo número de pessoas "salvadoras" ou "espirituais" (EICKEN & LINDNER, In DITNT, 1984, pp. 234,5).
b. Na LXX
Na Septuaginta (LXX), a versão grega do Antigo Testamento hebraico, o termo "apóstolo" não era usado no sentido técnico de designar alguém para um ofício "missiológico", mas sim, uma nomeação para se cumprir qualquer função ou tarefa que normalmente se definia com clareza. Isto explica, de certa forma, porque o verbo apostélloo e não o substantivo apóstolos é empregado quase que exclusivamente no AT. O verbo apostélloo não se encontra no Antigo Testamento no sentido de "ser enviado" para fazer missões, conforme aparece no Novo Testamento.
O judaísmo não conhece missões no sentido de oficialmente enviar missionários (Eicken e Lindner, In DITNT, 1984, p. 235). Isto não quer dizer que a Bíblia deixe de reconhecer a idéia de missões no Antigo Testamento. O que ocorre é que existe entre o AT e o NT, no que concerne à obra missionária, uma diferença de grau e ênfase, mas não de essência ou natureza da missão (3).
c. No Novo Testamento
Ao contrário da LXX, no Novo Testamento o substantivo apóstolos recebe uma ênfase toda especial. Aparece 6 vezes em Lucas, 28 em Atos, 34 em Paulo, uma vez em Hebreus, 3 vezes em Pedro, uma vez em Judas, 3 vezes em Apocalipse. Mateus, Marcos e João empregam a palavra uma vez cada em seus respectivos evangelhos. No NT, um apóstolo (no sentido técnico como o termo era usado, isto é, um enviado de Deus para anunciar as boas novas de salvação) era alguém que não só tinha visto o Senhor ressuscitado, mas que devia ser capaz de afirmar, fundamentando a sua afirmação, que havia sido chamado e designado de modo especial, diretamente pelo próprio Senhor, para ser apóstolo.
2.2. O significado restrito (4) de apóstolos
a. "apóstolos" em Paulo
Para Paulo, a vocação e comissão para o apostolado não eram através dos homens, "mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai" (Gl 1.1 cf. Rm 1.5; 1
Co 1.1; 2 Co 1.1). Tal comissão veio através de um encontro com o Senhor ressurreto (1 Co 15.7; Cl 1.16), que pessoalmente entregou a ele a mensagem do evangelho (1 Co 11.23; 2 Co 4.6; Gl 1.12). O apóstolo pregou o evangelho a homens e mulheres como "embaixador" de Cristo (2 Co 5.20), não por capacidade inata do seu ser (2 Co 3.5), mas pela livre graça de Deus (1 Co 15.9,10; Ef 3.8).
Não fica claro em Paulo a quem ele considerava apóstolo. É evidente que ele se incluía no número deles, conforme afirma catorze vezes em suas epístolas. Pertenciam também ao grupo de apóstolos, na opinião de Paulo, Pedro (Gl 1.18,19), Júnias, Andrônico (Rm 16.7) e Barnabé (Gl 2.1,9,13). Alguns estudiosos, como D. Muller (In DITNT, 1984, p. 237), questionam se Paulo considerava Tiago, irmão do Senhor, como sendo apóstolo, argumentando que a expressão ei me ("senão") de Gálatas 1.19 é ambígua. Entretanto, Harrison (In EHTIC, 1988, p. 104) esclarece que
A explicação mais natural de Gl 1.19 é que Paulo está esclarecendo que Tiago, o irmão do Senhor, é um apóstolo, de conformidade com o reconhecimento que recebia da igreja de Jerusalém. Em harmonia com isto, em I Co 15.5-8, onde Tiago é mencionado, todos os demais são apóstolos.
Curiosamente Paulo nunca aplica o título de apóstolo aos Doze como grupo específico. Segundo D. Muller (In DITNT, 1994, p. 237),
não podemos ter certeza de que as características que Paulo atribuía aos apóstolos são necessariamente aplicáveis ao apóstolo do NT propriamente dito, ou se Paulo considerava que os Doze fossem apóstolos, e qual era o número dos apóstolos nos dias de Paulo.
É evidente que no conceito amplo que Paulo tinha do termo apóstolo, os Doze certamente estavam incluídos. Pelo menos em duas epístolas suas Paulo lança luz sobre esta questão. Em 1 Coríntios 15.5,7 ele diz: E apareceu a Cefas, e, depois, aos doze. Depois foi visto por Tiago, mais tarde por todos os apóstolos (grifo nosso). E em Gálatas 1.18,19: Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas, e permaneci com ele quinze dias; e não vi outro dos apóstolos, senão a Tiago, o irmão do Senhor (grifo nosso).
b. Paulo como apóstolo
Os aspectos distintos do apostolado de Paulo foram a nomeação direta dele por Cristo (GI 1.1) e a designação feita a ele do mundo gentio como sua esfera de trabalho (At 26.17,18; Rm 1.5; Gl 1.16; 2.8). Seu apostolado foi reconhecido pelas autoridades em Jerusalém, de conformidade com sua própria reivindicação no sentido de ser classificado em pé de igualdade com os primeiros apóstolos. Apesar disso, nunca afirmou ser membro do grupo dos Doze (1 Co 15. 11), pelo contrário, mantinha-se independente. Era capacitado para dar testemunho da ressurreição porque a sua chamada viera do Cristo ressurreto (At 26.16-18; 1 Co 9.1).
Paulo considerava seu apostolado uma demonstração da graça divina, bem como uma chamada à labuta sacrificial, ao invés de uma oportunidade para se vangloriar (1 Co 15.10). Não dava nenhuma sugestão de que a posição especial de apóstolo o exaltasse acima da Igreja e que o distinguisse dos demais que tinham dons espirituais (Rm 1.11, 12; 1 Co 12.25-28; Ef 4.11). Sua autoridade não se derivava de alguma qualidade especial nele (1 Co 3.5), mas do próprio evangelho, na sua verdade e no seu poder para convencer (Rm 1.16; 15.18; 2 Co 4.2). Além disso, o chamado e missão de Paulo estavam tão ligados à sua vida, a ponto do apóstolo designar o evangelho de "meu evangelho" (Rm 2.16; 16.25; 2 Tm 2.8). Mas mesmo assim, procurava deixar claro quando estava dando a sua própria opinião (Cf. 1 Co 7.10-12).
Se quisermos um quadro completo do que o Novo Testamento entende por missão e evangelismo, basta observarmos o relato do apóstolo Paulo sobre a natureza de seu próprio ministério de evangelização (5).
III – Análise Histórica
3.1. A pessoa de Paulo
O divisor de águas na vida de Paulo foi o seu encontro com Jesus no caminho de Damasco. A vida do apóstolo, portanto, pode ser dividia em antes e depois de sua conversão.
a. Seu passado
Antes da sua conversão, Paulo era um judeu comprometido e zeloso com suas tradições. O orgulho de Paulo com a sua herança judaica (Rm 3.1,2; 9.1-5; 2 Co 2.22; Gl 1.13,14 e Fp 3.4-6) o levou a perseguir a comunidade cristã (Gl 1.13; Fp 3.6; 1 Co 15.8; v.t. At 8.1-3; 9.1-30).
Desde seu nascimento, por volta de 30 A.D., até seu aparecimento em Jerusalém como perseguidor dos cristãos, há pouca informação sobre a vida de Paulo. Sabe-se pelo testemunho dele mesmo que era da tribo de Benjamim e zeloso membro do partido dos fariseus (Rm 11.1; Fp 3.5; At 23.6). Era cidadão romano (At 16.37; 21.39; 22.25-28). Nasceu em Tarso, uma importante cidade localizada na Cilícia, na costa oriental do Mediterrâneo, a norte de Chipre e um notável centro de cultura e intelectualidade grega.
Estudiosos, como E. E. Ellis (In NDB, 1986, p. 1217), supõem que Paulo se tornou familiarizado com diversas filosofias gregas e cultos religiosos durante sua juventude em Tarso. Entretanto, Atos 22.3 parece indicar que Paulo apenas nasceu em Tarso e foi educado em Jerusalém. Eu sou judeu, nasci em tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje (grifo nosso).
Ainda jovem, Paulo recebeu autoridade oficial para dirigir uma perseguição contra os cristãos, na qualidade de membro de uma sinagoga ou concílio do sinédrio, conforme ele mesmo descreve em Atos 26.10 (e assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam) e Atos 26.12 (Com estes intuitos, parti para Damasco, levando autorização dos principais sacerdotes e por eles comissionado).
À luz da educação e preeminência precoce de Paulo (cf. At 7.58; Gl 1.14), supomos que sua família desfrutava de alguma posição político-social. O acesso do sobrinho de Paulo entre os líderes de Jerusalém (At 23.16,20) parece favorecer essa suposição.
b. Sua conversão
Apesar de não existir evidências bíblicas de que Paulo conheceu Jesus durante Seu ministério terreno, seus parentes crentes (cf. Rm 16.7) e sua experiência com o martírio de Estêvão (At 8.1) devem ter produzido algum impacto sobre ele. A pergunta, e principalmente a afirmação de Cristo ressurreto, conforme registrada em Atos 26.14, dá a entender isso. E, caindo todos nós por terra, discursa Paulo perante o rei Agripa, ouvi uma voz que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa é recalcitrares contra os agrilhões.
O Dr. Timóteo Carriker nos faz uma breve mas não menos importante observação quanto à conversão de Paulo. Diz ele:
A conversão de Paulo não era resultado de grandes sentimentos de culpa pelo pecado, como tipificado na tradição luterana. Alguns (como K. Stendahl) até preferem falar dum "chamamento" em vez de conversão, e observam que Paulo mesmo prefere esse primeiro termo. Dizem que Paulo não "mudou de religião", de judeu para cristão, mas que permaneceu judeu, qualificando sua fé como a de um judeu cristão (Missão Integral, 1992, p. 226).
Apesar desta observação, o próprio Carriker admite que ainda prefere usar o termo "conversão" para descrever o encontro de Paulo com Jesus, pois obviamente ele revisou radicalmente sua percepção sobre Jesus. Embora ele não tenha abandonado todos os elementos do judaísmo, alguns pontos fundamentais foram completamente reformulados. E ainda:
A sua experiência de conversão provocou uma revisão radical no seu estilo de vida e na sua visão do mundo. Passou de principal perseguidor a principal protagonista do movimento cristão primitivo; de "zeloso pelas tradições dos nossos pais" a "apóstolo dos gentios" (Missão Integral, 1992, p. 226).
Estou de pleno acordo com o autor.
Vale lembrar, ainda, que os três relatos da conversão de Paulo (Atos 9, 22 e 26) são importantes não somente pelo significado da sua conversão propriamente dita, mas também pela importância de se entender a pessoa de Paulo acerca de sua união com Cristo e de seu ministério entre os gentios.
c. Seu ministério
A partir do encontro com Jesus no caminho de Damasco, Paulo passaria de perseguidor a perseguido; de causador de sofrimentos a sofredor.
O Senhor resumiria, ao relutante Ananias, o árduo ministério de Paulo nesses termos: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome [At 9.15, 16] (grifo nosso).
À parte de um intervalo no deserto da Transjordânia, Paulo passou os três primeiros anos de seu ministério pregando em Damasco (At 9.19; Gl 1.17). Pressionado pelos judeus de Damasco, o apóstolo fugiu para Jerusalém, onde Barnabé o apresentou aos irmãos duvidosos de sua conversão (At 9.26-28). Seu ministério em Jerusalém dificilmente durou duas semanas, pois novamente os judeus procuravam matá-lo (At 9.29). Para evitá-los, Paulo retornou à cidade de seu nascimento (At 9.30), passando ali um "período de silêncio" de cerca de dez anos.
Certamente este período é silencioso apenas para nós, pois Barnabé, ouvindo falar de sua obra e relembrando seu primeiro encontro com o apóstolo, solicitou a este que fosse para Antioquia da Síria ajudá-lo numa florescente missão entre os gentios (At 11.19-26). De Antioquia, Paulo e Barnabé foram enviados para socorrer os irmãos pobres da Judéia (At 11.29,30). Os dois permaneceriam juntos até a primeira viagem missionária.
3.2. O mundo no tempo de Paulo
No tempo de Paulo três povos contribuíram significativamente para a expansão do mundo de então, e em especial para a propagação do evangelho, a saber: os romanos, os gregos e os judeus.
a. O domínio romano
Uma das grandes contribuições de Roma nos tempos bíblicos foi a Pax Romana. As guerras entre as nações tornaram-se quase impossíveis sob a égide daquele poderoso império. Esta paz entre as nações favoreceu extraordinariamente a proclamação do evangelho entre os povos. Além disso, a administração romana tornou fácil e segura as viagens e comunicação entre as diferentes partes do mundo. Os piratas foram varridos dos mares e as esplêndidas estradas romanas davam acesso a todas as partes do império. Essas estradas notáveis realizaram naquela civilização o mesmo papel das nossas estradas de rodagem e estradas de ferro da atualidade. E elas eram tão bem vigiadas que os ladrões desistiam de seus assaltos. De modo que as viagens e o intercâmbio comercial tiveram um amplo desenvolvimento. NICHOLS comenta:
É provável que durante os primeiros tempos do Cristianismo o povo se locomovia de uma cidade para outra ou de um país para outro, muito mais do que em qualquer outra época, exceto depois da Idade Média. Os que sabem como as atuais facilidades de transporte têm auxiliado o trabalho missionário, podem compreender o que significava esse estado de coisas para a implantação do Cristianismo (História da Igreja Cristã, 1985, p. 7).
Seria praticamente impossível ao apóstolo Paulo, e a outros de seu tempo, espalhar o evangelho mundo afora como o fizeram sem essa liberdade e facilidade de trânsito possibilitadas pelo império romano.
b. A influência grega
Era típico do império romano não influenciar na cultura dos povos conquistados, por isso, no início da era cristã os povos que habitavam as regiões do Mediterrâneo já haviam sido profundamente influenciados pelo espírito do povo grego. Colônias gregas, algumas das quais com centenas de anos, foram amplamente disseminadas ao longo da costa do Mediterrâneo. Com seu comércio os gregos foram em toda parte. A influência deles espalhou-se e foi mais acentuada nas cidades e países onde se estabeleciam os mais importantes centros do mundo de então. A influência dos gregos foi tão poderosa que o período do domínio romano foi corretamente denominado de greco-romano. Quer dizer, Roma governava politicamente mas a mentalidade dos povos desse império tinha sido moldada fundamentalmente pelos gregos.
Contudo, uma das maiores contribuições gregas para o advento do cristianismo foi a disseminação da língua em que o evangelho seria pregado ao mundo pela primeira vez. Uma prova da extensão e da influência do grego está no fato de que a língua mais falada nos países situados às margens do Mediterrâneo era o dialeto grego conhecido por KOINÊ, o dialeto "comum". Era esta a língua universal do mundo greco-romano, usada para todos os fins no intercâmbio popular. Quem quer que a falasse seria entendido em toda parte, especialmente nos grandes centros onde o cristianismo foi primeiramente implantado. Os primeiros missionários, como por exemplo Paulo, fizeram quase todas as suas pregações nesta língua e nela foram escritos os livros que vieram a constituir o nosso Novo Testamento.
c. O povo judeu
Os judeus prepararam o "berço" do cristianismo, por assim dizer. Primeiramente porque anteciparam a vida religiosa em que foram instruídos o Senhor Jesus, os cristãos primitivos em geral e o apóstolo Paulo em particular (At 23.6; 26.5). Além disso, a expectativa messiânica e a preservação do Antigo Testamento pelos judeus foram fundamentais para a confirmação do evangelho. Vale lembrar que muitos gentios eram prosélitos ou simpatizantes do judaísmo, o que acabou se tornando um meio para se alcançar estas pessoas. Era o costume de Paulo ir às sinagogas com o objetivo de evangelizar esses gentios.
Talvez a maior contribuição que o cristianismo recebeu veio por parte dos judeus da dispersão. Esses judeus, espalhados pelo mundo em virtude dos cativeiros que sofreram, podiam ser encontrados em quase todas as cidades daquela época. Em qualquer canto em que estivessem preservavam a religião judaica e estabeleciam suas sinagogas. Em muitos lugares realizavam trabalho missionário ativo. Assim, ganhavam entre os gentios numerosos prosélitos, tornando conhecidos os ensinamentos judaicos.
A missão judaica foi uma precursora importante das missões cristãs porque espalhou, extensivamente entre os gentios, elementos básicos essenciais tanto ao judaísmo quanto ao cristianismo, como por exemplo a remissão de pecados na pessoa do Messias. Muitos gentios, pelo contato com os judeus, foram inspirados por essa expectação, ficando assim preparados para a aceitação de Cristo como o Salvador que havia de vir.


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