terça-feira, 3 de agosto de 2021

APRENDENDO COM ISMAEL

 

O Choro que Deus ouve



Pela segunda vez Hagar sai da casa de Abraão de forma conturbada. Na primeira vez que isso aconteceu, ela ainda estava com seu filho Ismael no ventre, fruto das manipulações de Sara e Abraão para gerar um filho que fosse, o filho da promessa. Porém, Deus visitou Hagar no deserto, a consolou e ordenou que Hagar voltasse para casa de sua senhora e se submetesse a ela (Gn 16.1-15)

Na segunda partida de Hagar, Deus não dá a mesma ordem, afinal, ela agora foi expulsa, e continua errante no seu caminho, porém, dessa vez ela não está com seu filho no ventre, mas ele já nascera, é um menino, ele está com idade entre 11 a 13 anos, e, ambos estão em uma estrada cheia de perigos, armadilhas e incertezas. Hagar desiste da vida, a úica água que lhe restara findou-se, então ela deixa o seu filho distante para não ver o fruto do seu ventre morrer sem nada poder fazer. Hagar chora.

Mas um fato ocorre nesse drama que não passa desapercebido, o menino também chora, brada com desespero, o medo do oculto faz a criança derramar as lágrimas da alma. A Bíblia Sagrada chama atenção para algo que ocorre na sequência, dizendo: “Deus ouviu o choro do menino” (Gn.21.17)

O choro do menino é algo que se destaca, não pelo fato de uma criança estar apenas chorando, mas pelo fato do choro da criança não ter nada a ver com os choros dos adultos, ou quase nada. Vez por outra, os nossos choros são carregados de amargura, autocomiseração, mácula, justiça própria. Choros que são mais marcados pela ira do que pelo quebrantamento ou pelo clamor legítimo da alma sedenta.

Hagar certamente tinha seus motivos para ter saído da casa de Abraão, tendo em vista que sua senhora a maltratava e agora ela tinha um filho para cuidar e criar.Mas além da criança, Hagar está envolvida em um jogo de disputa, poder, paixão, herança, é um jogo de emoções afloradas, luta por conquista de um espaço que talvez nunca lhe pertenceu. É o jogo que gostamos de chamar de vida, porque a fazemos assim.

Hagar sai com seu filho, sem ter um destino certo, virou andante no deserto de Berseba. Sabe-se apenas que ela estava em desespero, foi expulsa pela sua senhora, precisa ir, mas sem saber para onde. Mãe e filho choram, choram porque na estrada da vida, ninguém é poupado das lágrimas, sejam elas justas aos nossos próprios olhos ou não. Mas a verdade linda por trás da trama é que “Deus ouviu o choro do menino”.

O choro do menino é o choro da sinceridade, é o choro de quem precisa de colo, de ajuda, é o choro desejoso de amparo, é o choro da nossa criança interior, clamando pelas necessidades reais da alma, do coração. O choro do menino representa o choro das necessidades verdadeiras, assim como cada um de nós, quando choramos com o coração “rasgado” diante de Deus.

O choro de Ismael não está ligado ao sentimento ressentido pela vingança mal sucedida ou pela perca de poder, o choro dele não está atrelado ao grito daquele que chora com ira, mas sim do interior verdadeiro de cada um de nós que clama, Aba!

Ainda que canalizemos todas as nossas energias em coisas sem sentido real para a vida, o choro que está em nós é o choro do coração que precisa ser preenchido pelo amor do Deus misericordioso que não desampara os que têm um coração quebrantado e contrito (Sl. 51.17).

Quem tem um coração camuflado pelas fantasias da visão desse mundo, cheio de vaidades, disputa de poder e espaço, e não consegue se assumir como pessoa, viverá a vida com seus choros abafados pelo egoísmo e sem ter nenhum consolo.

O meu convite é para que deixemos a nossa alma chorar o choro verdadeiro, identificando que necessitamos mais e mais de Deus e não das coisas que supomos precisar. Permita que a criança interior se derrame diante do Pai dizendo: Aba, Pai!

Nele, somente Nele, somos acolhidos com amor e proteção, Ele e só Ele, é Aquele que disse:
“Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus” (Mt. 18.3)

Ele pode ouvir o choro secreto de nossa alma carente e sedenta.

Autoria: André Santos

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