Eliseu e a História dos Leprosos | 2Rs 7.3-10
A intervenção divina que Eliseu havia predito (II Rs 7.1,2) logo teve lugar. O autor sagrado contou-nos uma interessante história lateral que esteve relacionada à sua história principal, sobre o levantamento do cerco por parte dos sírios. Aqueles miseráveis leprosos tornaram-se mensageiros das boas-novas, embora tivesse levado algum tempo para o rei de Israel descobrir pessoalmente a verdade dos fatos.
De fato, o cerco havia sido levantado, e a profecia de Eliseu, ainda que improvável, fora cumprida com precisão. Isso demonstrava, uma vez mais, que ele era um verdadeiro profeta do único Deus vivo e verdadeiro, Yahweh. Israel deveria tê-lo ouvido e abandonado sua idolatria e apostasia. Contudo, a despeito das histórias maravilhosas de milagres, Israel preferia persistir no mal. O cativeiro assírio não estava longe. Israel em breve deixaria de existir como uma nação.
7.3
Quatro homens leprosos. Os leprosos, muito provavelmente, estavam abrigados em cabanas que havia fora do portão da cidade de Samaria.
A legislação mosaica requeria que eles fossem isolados (ver Lv 13.46). A palavra hebraica sara'at, traduzida
pelas versões mais antigas como "lepra", provavelmente incluía essa
enfermidade, mas também incorporava outras enfermidades cutâneas, até
mesmo míldios e fungos que nada têm a ver com a lepra (doença de
Hansen).
A fantasia judaica põe o ex-servo de Eliseu, Geazi, e seus filhos, entre os leprosos que figuram nessa história (Talmude Bab. Sotah, folha 47.1 e Sanh. foi. 107.2). Ver II Rs5.20 ss quanto à história de Geazi, sobre como ele se tornou um leproso por causa de sua ganância.
7.4
Vamos, pois, agora. As vítimas da sara'at dependiam
de sua própria agricultura e da caridade alheia. Elas tinham de
organizar-se em comunidades separadas e autossustentadas, mas as
referências históricas e literárias mostram-nos que, com frequência,
viviam como esmoleres. É provável que os leprosos que figuram na
presente história também vivessem como esmoleres. O povo de Samaria
deixou de suprir-lhes alimentos, porquanto eles mesmos nada tinham para
comer, em face do cerco dos sírios. Portanto, fora das muralhas da
cidade, lá estavam eles, padecendo fome, tal como o resto dos cidadãos
de Samaria e daquela região geral.
A Condição Era Desesperadora. Eles
estavam famintos. Portanto resolveram entregar-se aos sírios, pois eram
estes que tinham alimentos. A pior coisa que poderia acontecer seria os
sírios matarem aqueles pobres esmoleres leprosos. Mas talvez lhes fosse
dado algo para comer e assim salvar a vida deles. Em desespero,
resolveram arriscar a própria sorte.
7.5
Levantaram-se ao anoitecer. Os
leprosos dirigiram-se ao acampamento dos sírios, em seu ato de
desespero. Mas, chegando ali, não encontraram um único homem. Marcharam
atravessando o acampamento inteiro. Procuraram alguém por toda a parte.
De fato, o acampamento estava totalmente deserto.
A
nossa versão portuguesa diz "ao anoitecer". O versículo nono confirma
que eles foram até o acampamento dos sírios durante a noite. Ao
amanhecer o dia, entretanto, foram contar as boas-novas aos habitantes
de Samaria. Por outra parte, é difícil ver por que os leprosos se
internaram no acampamento dos sírios à noite. A palavra hebraica nehshaf pode
indicar o começo ou o fim da noite, um tempo quando ainda há alguma luz
do sol, ou no fim da madrugada, antes do sol aparecer no horizonte.
7.6
Fizera ouvir no arraial dos sírios ruído. A razão da partida dos sírios. Yahweh fizera
soar o ruído como de um imenso exército, equipado com inúmeros cavalos e
carros de combate. Os sírios chegaram imediatamente à conclusão de que o
rei de Israel havia alugado um grande exército de mercenários para
lutar contra eles. Seus inimigos perenes, os hititas e os egípcios,
facilmente concordariam em lutar em troca de dinheiro, de modo que
esses povos deveriam estar envolvidos, raciocinaram os sírios.
O modus operandi do
ruído não foi explicado pelo autor sagrado. Alguns estudiosos supõem
que uma hoste de anjos tenha sido responsável pelo ruído.
7.7
Pelo que se levantaram, e, fugindo ao anoitecer. A fuga dos sírios foi completa e precipitada. Os
sírios, aterrorizados pelo ruído divinamente provocado, partiram sem
levar coisa alguma. Deixaram intacto o próprio acampamento e até
abandonaram os animais, seguindo a pé. Deixaram para trás todos os seus
objetos valiosos e seus alimentos. Os saqueadores certamente tiveram um
dia de abundância! "Este versículo nos dá um vívido quadro de uma fuga
apressada, na qual tudo foi esquecido, exceto a segurança pessoal" (Ellicott, in loc).
7.8
Comendo e Enriquecendo. Os
leprosos atravessaram todo o acampamento dos sírios, apossaram-se de
toda espécie de alimento e bebida, e reuniram coisas valiosas como
prata, ouro e vestes. Eles entravam e saíam do acampamento, recolhendo
cada vez mais e escondendo tudo. Josefo diz-nos que eles fizeram quatro assaltos ao acampamento (ver Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 4). Aqueles leprosos tinham acabado de tornar-se financeiramente
independentes. Eles tinham um suprimento para a vida inteira de tudo
quanto poderiam precisar. Oh, Senhor! Concede-nos tal graça!
Era uma prática oriental comum esconder artigos de valor no chão ou em lugares secretos nas casas. Isso lhes servia de bancos. Os antigos não dispunham de cofres, como nós os possuímos modernamente.
7.9
Não fazemos bem: este dia é dia de boas novas. Um toque de consciência. Aqueles leprosos, antes pobres mas agora
ricos, tiveram um estalo em sua consciência. Ali estavam eles, comendo,
bebendo e alegrando-se, e enriquecendo, enquanto mulheres e crianças
sofriam de inanição na cidade de Samaria. Eles não estavam "agindo
corretamente". Além disso, se continuassem a agir como estavam fazendo,
não compartilhando do que tinham achado,
algum castigo poderia alcançá-los, por causa de seu-egoísmo. Assim
sendo, chegaram à conclusão de que era tanto no interesse próprio como
no interesse da comunidade, que eles espalhassem as boas-novas.
"Nessas verdades encontramos uma verdade profunda. Em nenhum departamento da vida pode alguém receber um grande presente e recusar-se a compartilhar sem que pratique grande mal. Quando um homem tem grandes riquezas mas as guarda para si mesmo, sofre deterioração moral. Quando
uma pessoa tem o benefício de ter recebido uma boa educação, mas usa
essa vantagem somente para fins pessoais e egoístas, em lugar de usá-la
como um instrumento de serviço social, sua educação torna-se uma
maldição para ele, em lugar de uma bênção" (Raymond Calking, in loc).
Precisamos publicar as
nossas boas-novas. Já recebemos o dom inefável, as insondáveis riquezas
de Cristo. Uma maldição aguarda aqueles que não compartilham essas
bênçãos (ver I Co 9.16).
"Em
lugar de sofrer como criminosos, eles preferiram ser tratados como
heróis. Assim sendo, decidiram retornar a Samaria e proclamar suas
boas-novas" (Thomas L.Constable, in loc).
7.10,11
Logo
os leprosos estavam nos portões de Samaria, comunicando as boas-novas
aos porteiros da cidade. Dali, o recado espalhou-se até a casa do rei.
Aqueles homens tinham cumprido os ditames de sua consciência, e ninguém
tiraria deles as riquezas que haviam adquirido de maneira tão
surpreendente. Yahweh tinha feito intervenção em favor de Israel; os
sírios haviam fugido por causa do ruído divino (ver o vs. 6 deste
capítulo). Yahweh também havia intervindo em favor daqueles miseráveis
leprosos: agora eram homens financeiramente independentes. Isso reflete a
posição do teísmo. O Criador não é uma força distante que criou, mas então abandonou o seu universo (conforme ensina o deísmo). Pelo
contrário, Ele continua vivendo entre os homens; Ele recompensa e
castiga; Ele intervém na história humana, coletiva e pessoal. Ele se
preocupa até com os pardais que caem no chão (ver Mt 10.29).
Os leprosos contaram a história exatamente conforme tinham acontecido as coisas, sem nada adicionar e sem nada subtrair.
Os sírios haviam realmente fugido; eles tinham, na realidade, deixado
para trás seus animais, seus alimentos e seus objetos valiosos. O
acampamento deles tinha sido reduzido a uma cidade-fantasma.
7.12
Bem sabem eles que estamos esfaimados. Um alegado truque dos sírios. O rei de Israel não aceitou a palavra dos leprosos como se eles representassem a verdade inteira. Sim, os sírios haviam abandonado o seu acampamento. Não, eles não tinham voltado para a Síria, pensou o rei. Antes, estavam tramando um ardil. Os
famintos israelitas sairiam correndo pelos portões da cidade para obter
alimento no acampamento dos sírios. E, então, de súbito, os inimigos
se atirariam sobre o povo e matariam todos. Por conseguinte, o rei de
Israel recomendou extrema cautela. Os sírios não tinham sido capazes de
romper a resistência dos samaritanos (conforme estes poderiam pensar); e
assim, um truque faria o que a fome não tinha conseguido fazer.
7.13,14
Tomaram, pois, dois carros com cavalos. Um Teste. Um
dos oficiais do rei de Israel sugeriu que se fizesse uma espécie de
teste, conforme o que os leprosos tinham feito. Samaria enviaria uma companhia de
pessoas que serviria de teste. Eles sairiam com duas carroças e
cavalos, para ver se os sírios os atacariam. Além disso, observariam
cuidadosamente todo o terreno em redor, para ver se o inimigo estaria
escondido em algum lugar. Assim fazendo, eles poderiam ser mortos; mas,
se permanecessem na cidade, morreriam de fome de qualquer maneira.
Portanto, lançaram sua sorte ao destino. Foi um esforço de "fazer ou
morrer".
O
oficial sugeriu que cinco cavalos e seus cavaleiros se arriscassem. Em
lugar disso, entretanto, saíram duas carroças puxadas por dois cavalos
cada uma.
O
versículo 14 pode dar a entender que uma única carroça, com seus dois
cavalos, e provavelmente uma equipe de dois homens, saiu da cidade. Mas o
hebraico diz, literalmente, "duas carroças de cavalos", isto é, duas
carroças com dois cavalos cada uma.
Assim sendo, eles saíram, tendo pouco que perder e (talvez) muito que ganhar, a mesma situação que os leprosos haviam enfrentado. Situações desesperadoras exigem esforços desesperados.
7.15
O grupo de risco aproximou-se
primeiramente do acampamento dos sírios, e depois foi até o Jordão,
espiando o território. Isso significa que eles percorreram cerca de
quarenta quilômetros no total. Não encontraram, contudo, um único sírio.
O que eles encontraram foram evidências de uma retirada precipitada. De
fato, a retirada havia sido caótica. Eles haviam deixado para trás uma trilha de vestes e equipamento. Ao
que tudo indica, haviam atravessado o rio Jordão e desaparecido. "Em
seu espanto e medo, eles lançaram fora as vestes e as armaduras de
guerra que os tolhiam" (John Gill, in loc). Josefo fala em armaduras como inclusas entre os itens abandonados pelos sírios (ver Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 4). (na ajuda 2 estarei colocando a historia por Josefo)
Um bom relatório foi
dado ao rei de Israel, e muitos dos habitantes de Samaria imediatamente
mobilizaram-se para ir buscar tanto quanto pudessem; que servissem
primeiramente a si mesmos, e depois, vendessem o que pudessem a outros.
7.16
Comendo e saqueando. Os
famintos israelitas imediatamente invadiram o rico acampamento sírio.
Havia ali muitos alimentos e artigos valiosos que os leprosos não tinham
conseguido tomar. Primeiramente, cada pessoa encheu o estômago com
alimentos, e então encheu suas sacas com objetos de valor. Assim, de
repente, houve abundância de alimentos, que logo eram comerciados. Os
preços cobrados pelos artigos foram exatamente aqueles preditos pelo
profeta (ver em II Rs 7.1). Isso foi o
cumprimento da "palavra de Yahweh", visto que o profeta tinha proferido a
palavra do Senhor, e não a sua própria palavra. Aqueles que não tinham corrido para o ex-acampamento dos
sírios, e que haviam preferido ficar em Samaria, logo estavam comprando
alimentos dos que tinham ido. Admiramo-nos por qual motivo, naquele dia, o alimento não poderia ter sido distribuído de graça; mas a verdade é que a generosidade do homem não é muito grande. O eu sempre
se faz presente, querendo mais. Assim, vemos o espetáculo de
"comerciantes" de estômago cheio a vender cereal sírio para seus
vizinhos famintos!
7.17
O povo o atropelou na porta, e ele morreu. Cumprimento da terrível predição. O
oficial do rei que havia duvidado da verdade da profecia de Eliseu,
contra quem fora proferida uma maldição (vs. 2), ficou encarregado de
cuidar do portão, para manter as coisas sob controle.
Mas a multidão se precipitou loucamente, e o pisoteou até a morte, tal e
qual o "homem de Deus" havia dito que aconteceria. O comércio pegou
fogo naquele dia. O cereal sírio estava sendo vendido em grande
quantidade. A multidão parecia enlouquecida, de tanto vender e comprar. O
pobre oficial do rei perdeu a vida no meio daquela loucura. "Portanto,
ele viu a abundância de alimentos, mas não participou dela, conforme Eliseu havia predito que aconteceria (vs. 2)" (John Gill, in loc).
Além da atividade de comprar e vender, o povo se precipitava pelo portão da cidade para ir visitar o ex-acampamento sírio, o que só aumentava a confusão. Era impossível manter a ordem.
"Aquele
homem havia ridicularizado a capacidade de Deus fazer aquilo que Ele
disse que faria (ver o vs. 2). A sorte que Eliseu havia predito o
alcançou" (Thomas L.Constable, in loc).
7.18
Assim se cumpriu o que falara o homem de Deus. Este versículo repete o que já fora dito nos versículos segundo e décimo sexto deste capítulo. Foi algo realmentenotável, que
mereceu ser reiterado. O "homem de Deus" havia dito que "amanhã" o
cereal estaria sendo vendido pelos preços mencionados, e essa predição
parecera claramente impossível, considerando os itens pouco apetecíveis
(cabeças de jumentos e esterco de pombas, II Rs 6.25) que, no dia anterior, estavam
sendo vendidos a preços astronômicos. Yahweh fizera o impossível. Foi
um dos maiores milagres esse de livrar o povo dos inimigos de Israel, ao mesmo tempo que havia provisão alimentar abundante, tudo ao mesmo tempo.
7.19
Este versículo faz referência ao versículo segundo deste capítulo, o ridículo lançado pelo oficial do rei de Israel. Seria claramente impossível que o cereal fosse vendido porqualquer preço em Samaria, no dia seguinte, quanto
menos ao preço que o profeta havia estipulado. Para que isso
acontecesse, seria necessário que Yahweh abrisse as janelas do céu e
vertesse o cereal sobre a terra, conforme fazia cair a chuva. O homem falou com sarcasmo sobre a profecia de Eliseu, e no dia seguinte pagou com a própria vida a sua insolência.
O autor sagrado queria que entendêssemos que fora Yahweh quem
fizera aquele milagre. Ele deu ao povo alimento mediante um método
miraculoso. Quem fez aquilo não foi Baal, que era apenas um conceito
imaginário, circundado por ídolos destituídos de vida. O milagre foi
mais um chamado para Israel arrepender-se e abandonar a idolatria. Mas
foi outro convite inútil. Israel estava enterrado até o pescoço em sua degradação.
7.20
Este versículo tece
considerações sobre os versículos segundo e décimo sétimo deste
capítulo. O homem que havia ridicularizado a profecia de Yahweh e Seu
profeta, por meio de quem, se dera a conhecer, sofreu exatamente aquilo
que foi predito a respeito dele. Ele foi pisoteado até morrer, no portão
da cidade, para onde o rei o enviara para ajudar a manter a ordem. Foi
vítima de sua própria incredulidade, uma história muito antiga entre os
homens.
Bibliografia R. N. Champlin
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