segunda-feira, 18 de julho de 2022

APRENDENDO COM PAULO (PARTE 63)

 UM CONFRONTO INÚTIL

Desde o dia de Pentecostes, registrado em Atos 2, Jerusalém mostrava-se agitada por uma atividade religiosa sem precedentes. Quanto mais os agora ousados apóstolos pregavam as boas novas de Cristo, tanto mais o povo ia se convertendo.

Tudo estava mudando, até mesmo as tradições havia muito existentes. Judeus moradores de Jerusalém, assim como peregrinos das redondezas em visita à cidade, aceitavam Cristo aos milhares. Os líderes religiosos empedernidos sentiam-se exasperados com o que testemunhavam. Aquilo era demais! Como resultado, segundo Atos 5:18, “prenderam os apóstolos e os recolheram à prisão pública”.

Aqueles apóstolos cheios do Espírito estavam dando nos nervos dos líderes da religião dominante. Não devemos olhar essas cenas por meio de lentes demasiado cristãs. É melhor vê-las da perspectiva dos cidadãos de Jerusalém.

 

Aquele foi um período perturbador para o Sinédrio. Sua tentativa de silenciar os seguidores de Jesus crucificando o seu Mestre havia tido efeito contrário ao desejado. Portanto, encarcerar os fanáticos religiosos pareceu consistir na melhor estratégia para evitar que fizessem novos prosélitos judeus. Nem isso, porém, adiantou.

 

Algo miraculoso aconteceu também para piorar as coisas. “Mas, de noite, um anjo do Senhor abriu as portas do cárcere e, conduzindo-os para fora, lhes disse: Ide e, apresentando-vos no templo, dizei ao povo todas as palavras desta Vida. Tendo ouvido isto, logo ao romper do dia, entraram no templo e ensinavam” (At 5:19-21).

O tiro saiu realmente pela culatra! Os líderes religiosos achavam que tinham resolvido o caso dos rebeldes, quando, na verdade, apenas os motivaram a voltar à sua pregação mais ousados do que nunca! Foi algo similar ao acontecimento que se seguiu à cena do Gólgota. Os líderes religiosos tinham certeza de que crucificar Cristo terminaria tudo. Não podiam estar mais errados.

 

O Cristianismo desabrochou depois da ressurreição dele. Agora, inflamados com o poder do Espírito, os apóstolos estavam incendiando Jerusalém com a sua pregação. Seu zelo era contagioso, e sua mensagem, convincente. Não demorou muito para que as autoridades religiosas se vissem reduzidas a uma minoria que diminuía cada vez mais. Isso as levou a convocar uma reunião de emergência para decidir o que fariam a seguir.

 

Chegando, porém, o sumo sacerdote e os que com ele estavam, convocaram o Sinédrio e todo o senado dos filhos de Israel e mandaram buscá-los no cárcere. Mas os guardas, indo, não os acharam no cárcere; e, tendo voltado, relataram, dizendo: Achamos o cárcere fechado com toda a segurança e as sentinelas nos seus postos junto às portas; mas, abrindo-as, a ninguém encontramos dentro.

Atos 5:21-23

Isso não foi esplêndido? O anjo do Senhor abriu a prisão, libertou os apóstolos e depois trancou tudo outra vez. Ao chegarem, encontraram os guardas dormindo, as portas fechadas e nenhum prisioneiro.

E bem provável que Saulo estivesse no grupo que ouviu esse relato perturbador.

 

Teria sido apresentado a todo o Sinédrio, inclusive aos agregados, tais como advogados iniciantes, conselheiros e talvez até servos. Não querendo perder nada, Saulo absorveu cada detalhe à medida que se desenrolavam os acontecimentos. As coisas estavam fugindo ao controle.

Compreenda também a crescente frustração que tomou conta das autoridades religiosas. Lemos: “Quando o capitão do templo e os principais sacerdotes ouviram estas informações, ficaram perplexos a respeito deles e do que viria a ser isto” (At 5:24).

Não é interessante esse texto? Em termos atuais, “ficaram perplexos” seria: — O QUE ESTÃO QUERENDO DIZER? COMO É QUE NÃO ENCONTRARAM OS HOMENS? Aqueles juízes

preconceituosos ficaram fora de si tentando descobrir o que acontecera. Para piorar as coisas, outro mensageiro apareceu correndo com uma notícia ainda mais surpreendente: Eis que os homens que recolhestes no cárcere, estão no templo ensinando o povo. Nisto, indo o capitão e os guardas, os trouxeram sem violência, porque temiam ser apedrejados pelo povo.

Atos 5:25,26

Não perca de vista a importância do detalhe acrescentado no final. Esses líderes piedosos agora temiam por suas vidas, pois sentiram a maré se voltando contra eles. Mais e mais pessoas nas ruas estavam dizendo: “Não toquem nesses homens. Eles estão declarando coisas que precisamos ouvir... coisas que vocês nunca nos disseram.” A confiança cega que o povo de Jerusalém colocara em seus líderes estava agora desaparecendo, à medida que seus olhos iam sendo abertos para a verdade do Evangelho. Em vista de as massas estarem acreditando neles, o Sinédrio procedeu com cautela: “Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio” (v. 27).

Observe agora cuidadosamente: “E o sumo sacerdote interrogou-os, dizendo: Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome; contudo, enchestes Jerusalém de vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem” (At 5:27,28).

Em outras palavras: “Vocês estão dizendo ao povo que nós somos a razão de aquele falso Messias ser crucificado. Queremos que saibam que foram os romanos que fizeram isso. Nós apenas aceitamos o plano. Mas vocês nos fazem parecer perversos.” Note como os apóstolos, especialmente Pedro, responderam: Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem.

Atos 5:29-32

Saulo ouviu esse discurso. Já pensou nisso? Enquanto ficava nas sombras ouvindo Pedro falar, os cabelos em sua nuca se eriçaram. Aquele jovem e piedoso fariseu, hebreu dos hebreus, ouviu irado enquanto aquele pescador ignorante, chamado Pedro, falava do falecido Jesus, que tinha afirmado ser Deus. Era quase mais do que podia suportar. As emoções de Saulo fervilhavam em seu íntimo, enquanto ele formulava planos, pensando: “Se pudesse pôr as mãos nele, eu o mataria como a todo o resto”. Ele não podia imaginar que aquele “pescador ignorante” viria a ser seu colaborador no trabalho de estabelecer igrejas cristãs em todo o mundo conhecido. Antes que Saulo pudesse organizar um ataque sobre aquele homem e seus companheiros, Deus interveio em outra surpreendente reviravolta de eventos quando o conselheiro de Saulo levantou-se no meio da reunião.

 

 

UM ALIADO INESPERADO

Eles, porém, ouvindo, se enfureceram e queriam matá-los. Mas, levantando-se no Sinédrio um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da lei, acatado por todo o povo, mandou retirar os homens, por um pouco.

Atos 5:33,34

Espere um pouco. Quem é Gamaliel? Saulo estudou com esse homem durante os anos de sua instrução em Jerusalém; ele testemunhou que foi “instruído aos pés de Gamaliel” (At 22:3). Sentou- se aos pés de Gamaliel durante a sua educação formal na lei judaica. Ficou olhando quase sem respirar, enquanto observava seu orientador espiritual em ação. Seria o mesmo que um estudante de direito, depois de formado, visitasse um tribunal para observar um professor a quem admira praticar a lei. Que grande momento para Saulo! Ele talvez esperasse palavras fortes de condenação contra Pedro. Mas aconteceu justamente o oposto.

E lhes disse: Israelitas, atentai bem no que ides fazer a estes homens. Porque, antes destes dias, se levantou Teudas, insinuando ser ele alguma coisa, ao qual se agregaram cerca de quatrocentos homens; mas ele foi morto, e todos quantos lhe prestavam obediência se dispersaram e deram em nada. Depois desse, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muitos consigo; também este pereceu, e todos quantos lhe obedeciam foram dispersos. Agora, vos digo: dai de mão a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá.

Atos 5:35-38

William Barclay chama Gamaliel de “aliado inesperado”. Em meio à irritação geral e pensamentos irracionais, esse professor sábio e experiente, levantou-se com toda calma e advertiu: “Tomem cuidado. Não se apressem em julgar.” Em suas próprias palavras: “...dai de mão a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus” (At 5:38,39).

O jovem fariseu balançou a cabeça incrédulo: “Este homem deveria ser um porta-voz do judaísmo. Ele me ensinou grande parte do que sei sobre o judaísmo e a lei. Ele me instruiu sobre como fazer exatamente o que faço hoje em dia. Mestre Gamaliel, o senhor perdeu a cabeça?!”

E claro que Saulo não tinha meios para saber que aquele raciocínio calmamente expresso iria preservá-lo, mais tarde, quando viesse a carregar a tocha de Cristo. Então se lembraria de que os que lutassem contra ele estariam, na verdade, lutando contra Deus. Mas, naquele momento, não tinha a menor noção disso. Tudo o que via era uma mancha vermelha. Vermelha como sangue. Não conseguia acreditar que o Sinédrio concordasse com um conselho assim tão calmo e considerasse usar de brandura com aqueles infiéis. Mas foi exatamente isso que fizeram.

Se me permitir um instante de digressão aqui, penso que Pedro permaneceu vivo então e nos anos que se seguiram por causa da intervenção sábia de Gamaliel. Acredito que o “aliado inesperado” salvou sua vida. Saulo e os outros teriam apedrejado o grupo inteiro. Mas Deus graciosamente interferiu, usando as palavras de um professor sábio para preservar a vida daqueles que posteriormente iriam desempenhar papéis trágicos na formação da igreja cristã. Lembre-se disso quando sentir que as circunstâncias de sua vida são desespe-radoras. Não importa o que tenha de enfrentar, Deus continua no controle, silenciosa e soberanamente operando todas as coisas conforme seu plano perfeito. Ele tem o seu Gamaliel esperando nos bastidores. No momento exato, quando suas palavras forem produzir o maior impacto, eles sairão das sombras.

Os líderes religiosos aceitaram sabiamente o conselho de Gamaliel. As Escrituras dizem que: “Chamando os apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que não falassem em o nome de Jesus, os soltaram” (v. 40).

Espere um minuto! Isso não é justo. Que direito tinham de açoitar os homens se estavam planejando soltá-los? Foi o jeito de o Sinédrio dar seu doloroso recado: “Quando a pele de suas costas for arrancada, talvez não esqueçam que estamos falando sério. Vão embora!”

Como você teria reagido numa situação assim? Quando o seu grupo estivesse em fila e despido para as chicotadas, você teria se escondido no corredor dos fundos? Teria procurado um meio de sair pela porta, quando ninguém estivesse olhando? O açoite era uma tortura terrivelmente dolorosa e humilhante. Quem não tentaria escapar?

Nosso respeito por esses homens se intensifica nesse ponto. Veja como eles reagiram: “E eles se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome. E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo” (5:41,42).

Coragem notável! O sangue em suas feridas mal havia secado quando voltaram a pregar Cristo para o povo. Embora nós os respeitemos, Saulo os odiava por causa disso. Foi o que o motivou a tomar medidas ainda mais agressivas contra eles, e o que mais tarde usou em sua defesa perante Agripa: “E assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam. Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas os perseguia” (At 26:10,11).

Preste atenção novamente. Não se trata de um intelectual manso e de boas maneiras falando. Ele se tornara um fariseu apaixonado e decidido - um homem com uma missão. Mais tarde, escreveria uma confissão similar a seu filho na fé, Timóteo: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, eperseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade” (1 Tm 1:12,13, grifos do autor).

Que tal essa autobiografia de Saulo em duas frases?

Esse é o mesmo homem que escreveria sobre a graça e a misericórdia de Deus. Esse é aquele que viveria para ver o dia em que as palavras penetrantes de Pedro tomariam conta de sua própria garganta, tornando-se a força motriz de seu compromisso com Cristo. “Ninguém pode lutar contra Deus”, pregaria ele aos seus adversários. Mas antes de a graça de Cristo pegá-lo de jeito, ele se opunha violentamente a tudo e a todos que se relacionassem ao Caminho. Não esqueça de uma coisa: ele fez isso em nome de Deus. Essa é a razão de não haver nada mais assustador, mais perverso, do que um terrorista religioso. Justifica todas as suas ações em nome de Deus.


Saulo não era exceção. O homem “irrepreensível segundo a lei” conforme seu próprio testemunho acreditava cegamente que suas obras sangrentas honravam a Deus ao erradicar da Terra aquela seita. De acordo com as Escrituras, Saulo então “assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (At 8:3). Essa não era uma cena para os de estômago fraco. É difícil imaginar ódio tão profundo.

É aqui que devemos deixar Saulo, por enquanto. 


CHARLES SWIDOLL

APRENDENDO COM PAULO (PARTE 62)

 UM RETRATO BRUTAL DA VIDA DE PAULO 

O primeiro esboço da vida de Paulo (a quem conhecemos, a princípio, como Saulo de Tarso) é tanto brutal como sangrento. Se um artista fosse pintá-lo com pincel e tinta a óleo, nenhum de nós iria querer pendurá-lo em nossa sala. O homem parece mais um terrorista do que um seguidor dedicado do judaísmo. Para nosso horror, o sangue do primeiro mártir espirrou sobre as roupas de Saulo, enquanto ele ficou ali, concordando com aquilo tudo, cúmplice de um crime medonho. Quem era esse mártir?

Estêvão. Um jovem cristão que morava em Jerusalém, descrito em Atos 6 como “cheio de graça e poder” (v. 8), que falava com sabedoria por unção do Espírito (v. 10), cujo semblante era “como se fosse rosto de anjo” (v. 15). Mesmo assim o apedrejaram. Foi assassinado a sangue frio.

Os membros do Sinédrio (chamado de Conselho, no Livro de Atos, em algumas versões da Bíblia), desprezaram Estêvão por causa da sua firme defesa de Cristo. Eles se recusaram a continuar ouvindo seu discurso veemente e, furiosos, o levaram para a rua, pela porta norte, até a periferia da cidade. Ali o apedrejaram, com pedras grandes e agudas, até que caiu e morreu. Saulo, observando todo o episódio, ficou em meio à multidão que gritava, tomando conta dos mantos dos assassinos de Estêvão. Ele, sem dúvida, deve ter rido com prazer sádico.

Eugene Peterson, em sua obra The Message, parafraseia a cena: Gritando e assobiando, a multidão caiu sobre ele. Então, em massa, arrastaram Estêvão para fora da cidade e o apedrejaram.

Os líderes tiraram os mantos e pediram a um jovem chamado Saulo para vigiá-los.

Enquanto as pedras choviam, Estêvão orou: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito!”. Depois ajoelhou-se orando em voz alta o suficiente para todos ouvirem: “Senhor, não lhes imputes este pecado!” - foram suas últimas palavras. A seguir, morreu. Saulo estava ali, parabenizando os assassinos.

Durante a nossa vida, adotamos naturalmente uma imagem cristianizada do apóstolo Paulo. Afinal de contas, foi ele o autor das duas cartas aos Coríntios. Escreveu Romanos, a carta magna da vida cristã. Redigiu a carta libertadora aos Gálatas, exortando-os, e também a nós, a uma vida na liberdade provida pela graça de Deus. E as “epístolas da prisão”... e as cartas pastorais, tão cheias de sabedoria, tao ricas de significado. Ora, baseado em tudo isso, você poderia achar que o homem amou o Salvador desde o berço. Nada disso.

Ele odiava o nome de Jesus a tal ponto que se tornou um agressor violento e declarado, perseguindo e matando cristãos por dedicação ao Deus dos céus. Por mais chocante que pareça, nunca devemos esquecer a cova de onde ele veio. Quanto mais compreendemos a escuridão do seu passado, tanto mais entenderemos sua gratidão pela graça.

O primeiro retrato da vida de Paulo pintado nas Sagradas Escrituras não é o de uma criancinha embalada amorosamente nos braços da mae. Também não mostra um rapazinho judeu saltando e brincando com os amigos da vizinhança nas ruas estreitas de Tarso. O retrato original não é sequer o de um jovem e brilhante estudioso da lei sentado fielmente aos pés de Gamaliel. Essas imagens só deturpam a nossa visão, levando-nos a pensar que ele teve um passado de livro de contos de fadas.


Em vez disso, o encontramos pela primeira vez como simplesmente “um jovem chamado Saulo”, participante do assassinato brutal de Estêvão e que “consentia na sua morte (At 7:58; 8:1).

Esse é o Paulo que precisamos ver para apreciar a gloriosa verdade das cartas do Novo Testamento que escreveu. Não é de admirar que mais tarde ele viesse a ser conhecido como “o apóstolo da graça”. Na verdade, quando verificamos como era o ambiente de seu nascimento e infância, descobrimos que não era marcado por ira nem por violência. A vida para Paulo começou, na verdade, muito pacificamente.

 

LUGAR NEM UM POUCO INSIGNIFICANTE

“Eu sou judeu, natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilicia”, Paulo anunciou, certa vez, numa demonstração magistral de modéstia ao expor sua situação. Um estudo acurado da antiga cidade de Tarso revela que a cidade natal de Paulo não era um simples ponto no mapa, mas uma metrópole movimentada de cultura multiforme e comércio internacional. Sua localização estratégica explica a sua importância e sucesso. Cilicia era uma província na extremidade sudeste do que era então chamado Ásia Menor. Hoje faz parte da moderna Turquia.

Ali você encontra Tarso, localizada no coração da província da Cilicia - lugar de nascimento de Saulo. A cerca de 19 km das praias resplandecentes do Mediterrâneo, Tarso é rodeada pela cadeia de Montanhas Taurus - montes escarpados e altaneiros que vão do litoral até o norte, constituindo um vasto escudo protetor ao redor da cidade. Em vista de estar próxima a um porto de mar, Tarso tornou- se uma via comercial muito usada pelas caravanas que levavam suas mercadorias do Oriente, no Leste, até Roma, no Oeste. A viagem exigia que passassem pelos Portais da Cilicia uma impressionante seqüência de passagens estreitas lavradas através das Montanhas Taurus acima de Tarso.

Saulo foi nutrido com a nata de todo esse diversificado e rico caldo cultural e comercial, enquanto ele crescia na cidade fascinante em que nasceu. Embora órfão de mãe aos nove anos, como filho de um proeminente fabricante de tendas, Saulo tornou-se beneficiário de uma herança religiosa e intelectual igualmente rica. John Pollock, autor de The Apostle: A Life ofPaul, descreve habilmente os aspectos dos primeiros anos da vida e educação de Saulo: Os pais de Paulo eram fariseus, membros do partido mais fervoroso do nacionalismo judaico e severo na obediência à lei de Moisés.

 

Eles buscavam proteger seus filhos da contaminação. Amizades com crianças gentias eram desencorajadas. As idéias gregas eram também desprezadas. Embora Paulo soubesse falar grego desde a infância, a língua franca, e tivesse algum conhecimento de latim, sua família falava em casa o aramaico, a linguagem da Judéia, um derivado do hebraico.

 

Eles consideravam Jerusalém como os muçulmanos consideram Meca. Seus privilégios como homens livres de Tarso e cidadãos romanos não eram nada frente à elevada honra de serem israelitas, o povo da promessa, os únicos a quem o Deus vivo revelara a sua glória e os seus planos...

No seu décimo terceiro aniversário, Paulo dominava a história judaica, a poesia dos salmos, a literatura majestosa dos profetas. Seus ouvidos foram treinados à perfeição, e um cérebro ágil como o seu podia reter o que ouvia tão automática e fielmente quanto a “mente fotográfica” moderna


retém uma página impressa. Ele estava pronto para uma educação superior.1

Isso aos treze anos. Pollock continua: Um fariseu rígido não iria confundir o filho com filosofia moral pagã. Portanto, provavelmente no ano em que Augusto morreu, 14 d.C., o adolescente Paulo foi enviado por mar à Palestina e subiu os montes até Jerusalém.

Durante os cinco ou seis anos seguintes, ele sentou aos pés de Gamaliel, neto de Hillel, mestre supremo, que alguns anos antes morrera com mais de cem anos. Sob o frágil e amável Gamaliel, um contraste com os líderes da rival Escola de Shammai, Paulo aprendeu a dissecar um texto até que vários significados possíveis fossem revelados segundo a opinião abalizada de gerações de rabinos [...] Paulo aprendeu a debater no estilo perguntas-e-respostas, conhecido no mundo antigo como “diatribe”, e a expor, pois um rabino não era só parte pregador, como também parte advogado, que processava ou defendia os que quebravam a lei sagrada.

 

Paulo superou seus contemporâneos. Tinha uma mente poderosa que poderia levá-lo a uma cadeira no Sinédrio, na Galeria das Pedras Polidas, e torná-lo um “principal dos judeus”.2

Saulo esperava ansiosamente o dia em que se tornaria membro do Tribunal Supremo dos Judeus, chamado então de Sinédrio. Juntos, aqueles setenta e um homens administravam a vida e a religião judia sentados em bancos curvos numa sala de tribunal — exatamente o lugar onde tinham ouvido Estêvão fazer sua corajosa, embora fatídica, confissão de fé.

Saulo, agora um advogado bem-sucedido nos tribunais movimentados de Jerusalém, fizera provavelmente parte da audiência maior que ouvira a defesa de Estêvão. Ele mal tinha idéia, então, de como Deus usaria os eventos que levaram e que se seguiram à morte do jovem discípulo para mudar dramaticamente sua vida e causar impacto sobre a história religiosa.

CHARLES SWIDOLL

segunda-feira, 11 de julho de 2022

APRENDENDO COM EZEQUIEL (PARTE 07)

 

APRENDENDO COM EZEQUIEL


Ezequiel foi um homem levantado por Deus para profetizar na época do exílio do povo judeu na Babilônia. O nome Ezequiel no hebraico significa “Deus fortalece” ou “Deus torna forte.

 

Ezequiel era filho de Buzi e pertencia à família sacerdotal, ou seja, ele era um sacerdote (Ezequiel 1:3). Na verdade nada se sabe sobre quem foi Ezequiel além das informações que são encontradas no livro que leva seu nome no Antigo Testamento.

Ezequiel foi levado cativo para a Babilônia em 597 a.C., logo após o rei Nabucodonosor ter tomado Jerusalém. Na ocasião foram deportados o rei de Judá, Joaquim, toda a família real, os artesãos habilidosos e os cidadãos mais proeminentes (2 Reis 24:14).

 

O profeta Ezequiel era casado, porém sua esposa acabou falecendo repentinamente durante o cativeiro.

Isso aconteceu pouco antes da cidade de Jerusalém ser destruída pela ofensiva do Império Babilônico em 586 a.C. Não é feita qualquer menção na Bíblia sobre possíveis filhos de Ezequiel.

A morte súbita de sua esposa foi anunciada por Deus, e o profeta foi proibido expressamente pelo Senhor de se lamentar pelo triste acontecimento.

Ele não pôde realizar qualquer rito relacionado ao luto (Ezequiel 25:15,16). Essa proibição serviu como um sinal do que os habitantes da cidade de Jerusalém fariam em breve (Ezequiel 24:19-27).

Após cinco anos vivendo no Exílio, ele recebeu sua chamada profética. O profeta vivia em sua própria casa, onde os anciãos vinham consultá-lo (Ezequiel 3:24; 8:1; 14:1; 20:1; cf. Jeremias 29:1-7).

É bem possível que o profeta Ezequiel começou seu ministério profético com a idade de 30 anos. Caso isso esteja correto, então ele tinha entre 25 e 26 anos quando foi deportado para a Babilônia.

Em seu livro, o profeta se mostra bastante familiarizado com os preceitos da religião judaica e com o Templo de Salomão. Mas não há qualquer evidência de que ele tenha desempenhado alguma função sacerdotal em Jerusalém antes de ser levado a Babilônia.

Na verdade, geralmente os sacerdotes começavam a exercer suas funções no Templo com a idade de 30 anos. Conforme já foi dito, o profeta Ezequiel foi exilado antes de alcançar essa idade.

Portanto, quando Ezequiel completou 30 anos ele estava vivendo a mais de mil quilômetros de distância de sua terra natal.

Mas no ano em que ele deveria começar seus serviços como sacerdote, Deus o chamou soberanamente para se tornar um dos grandes profetas do Antigo Testamento. Durante o período em que ele profetizou, o Templo estava em ruínas.

A chamada do profeta Ezequiel para exercer o ministério profético é uma das mais espetaculares registradas nas Escrituras. Esse chamamento é descrito em detalhes nos capítulos 1, 2 e 3 de seu livro. Nessa ocasião o profeta teve uma visão da glória divina.

Os quatros seres viventes, querubins, vistos pelo profeta Ezequiel na ocasião de sua convocação, também lembram o chamamento de Isaías, onde ele viu os serafins que ministravam diante de Deus (Isaías 6:2).

 

Quando o profeta Ezequiel caiu com o rosto na terra diante da visão tão gloriosa que teve, ele escutou as conhecidas palavras: “Filho do homem, põe-te em pé e falarei contigo” (Ezequiel 2:1).

 

Nesse momento ele foi capacitado pelo Espírito a tornar-se um canal da revelação divina e proclamar a Palavra de Deus ao povo.

 

O profeta Ezequiel frequentemente é chamado por Deus pela expressão “filho do homem”. Nesse contexto essa expressão significa basicamente “ser humano”, e enfatiza a insignificância humana diante do poder e da majestade de Deus.

O grande propósito da mensagem profética do profeta Ezequiel era incentivar os judeus exilados a permanecerem fiéis a Deus, confiando que Ele iria cumprir a sua promessa de restauração. Deus haveria de conduzir a nação novamente à sua terra de origem.

Ele traria novamente os tempos de glória para o Templo e para Jerusalém. Isso aconteceria após o fim do julgamento divino sobre os judeus. Esse julgamento era evidenciado pelas provações e destruições advindas pela ocasião do cativeiro.

O profeta Ezequiel anunciou o julgamento sobre Jerusalém (Ezequiel 1-24). Ele também anunciou o julgamento divino sobre as nações estrangeiras (Ezequiel 25-32). Também profetizou, após a destruição da cidade, a restauração e a misericórdia para o futuro.

As profecias de Ezequiel sobre a restauração da casa de Davi são cumpridas plenamente apenas em Cristo (Ezequiel 37:24).

A mensagem do profeta Ezequiel é a que contém mais elementos simbólicos entre todas as outras mensagens dos profetas escritores. Também é possível perceber que a mensagem proclamada por ele era claramente representada por suas próprias experiências pessoais. Isso significa que Deus fez com que o profeta fosse um tipo de “sinal vivo” para o povo judeu.

Assim, o profeta precisou enfrentar grandes provações e suportar terríveis sofrimentos, a fim de que sua vida servisse de sinal para incitar a nação a buscar o arrependimento.

 

Além de muita simbologia, o profeta Ezequiel também usou parábolas e provérbios (Ezequiel 12:21,22; 15-19).

 

Algumas pessoas, equivocadamente, utilizam algumas passagens do livro de Ezequiel para sugerir que o profeta sofria de algum transtorno mental (ex.: Ezequiel 3:23; 4:8). Claro que quem defende essa ideia falha em compreender a forma com que Deus direcionou a vida desse homem.

No início do ministério do profeta Ezequiel sua mensagem não foi muito bem recebida (Ezequiel 3:5). Porém, com o passar do tempo, o profeta foi sendo identificado numa posição mais honrosa (Ezequiel 8:1; 14:1; 20:1).

De qualquer forma, durante seu comissionamento como profeta o Senhor o avisou de que a casa de Israel não lhe daria ouvido, isso porque os judeus não queriam ouvir o próprio Deus. Por isso Deus disse que fortaleceria o profeta contra o povo, numa frase que talvez contenha um jogo de palavras que faz referência ao significado de seu nome (Ezequiel 3:7,8).

A Bíblia não relata nada sobre a morte do profeta Ezequiel. Tudo o que sabemos é que seu ministério durou pelo menos 23 anos (Ezequiel 29:17). Considerando então que ele começou a profetizar em 592 a.C., quando tinha 30 anos, ele viveu, no mínimo, cerca de cinquenta anos.

O profeta Ezequiel não é mencionado em outros livros do Antigo Testamento. Ele também não é citado diretamente no Novo Testamento. No entanto, muito de suas visões claramente serve de base para o simbolismo presente no livro de Apocalipse.

 

Os contemporâneos do profeta Ezequiel

O profeta Ezequiel foi contemporâneo de outros dois profetas escritores: Jeremias e Daniel.

Os três viveram durante a época do cativeiro. O único período histórico que contou com tantos profetas escritores como aquele, foi por volta da segunda metade do século 8 a.C., quando viveram os profetas Isaías, Oseias, Amós e Miqueias.

 

Embora Ezequiel, Jeremias e Daniel fossem contemporâneos, eles não estavam próximos uns dos outros. Jeremias profetizava em Judá. Daniel servia na corte do rei Nabucodonosor.

 

Já o profeta Ezequiel pregava entre os judeus cativos na Babilônia.

APRENDENDO COM MARIA MADALENA

 APRENDENDO COM MARIA MADALENA

Maria Madalena é, sem dúvida, um dos personagens mais conhecidos do Novo Testamento. Citada cerca de 12 vezes nos evangelhos canônicos, ela é, mais do que qualquer outro discípulo, a que tem maior destaque.

Mas o que a fez realmente famosa foi a crença difundida de que ela fora uma prostituta que, posteriormente, teve alguma relação afetiva com Jesus. Será isso verdade? Procede a dedução de que Cristo fora casado?

A versão popular sobre Maria corresponde à realidade? E a famosa expressão “Maria Madalena arrependida” pode ser um exemplo legítimo de arrependimento e transformação? Vejamos a seguir.

Esposa de Cristo?

Não é de hoje que filmes, livros e documentários insinuam um suposto casamento entre Jesus e Maria Madalena.

Contudo, nem os teólogos e historiadores mais liberais apostam suas fichas na teoria de um possível relacionamento entre eles.

Não há nada de concreto que aponte para isso. Nem mesmo os aficionados por teorias conspiratórias podem afirmar que essa é uma verdade que a igreja ocultou dos fiéis.

É claro que, se fosse provado que Cristo era casado com Maria, isso decepcionaria muitos cristãos ao redor do mundo que sempre O viram como um modelo de celibato. Contudo, além do fato de que constituir família não pareça fazer parte da missão do Filho de Deus neste mundo, é importante dizer que ser casado denotaria um defeito de Seu caráter, afinal, caso Ele tivesse mesmo uma esposa, não haveria razão teológica alguma para esconder isso do mundo.

Como a própria Escritura declara a perfeição do caráter do Salvador (Isaías 53:9, 2 Coríntios 5:22, 1 Pedro 2:22), o silêncio bíblico, neste caso, é um indicativo claro de que Ele e Maria nunca tiveram nenhum afeto além da relação entre discípulo e Mestre.

Mesmo fora da Bíblia, poucos evangelhos apócrifos (sem autoridade canônica) falam ou insinuam que Maria pudesse ser casada com Jesus. Ainda assim, são fontes muito tardias e um tanto ambíguas.

A primeira delas é o Evangelho de Felipe, datado do século III d.C. e cujo manuscrito original foi encontrado mutilado: “E a companheira de […] Maria Madalena […] ela mais que aos discípulos, beijá-la na sua […]”.

 

 Note que não é possível afirmar, pelos fragmentos do texto de Felipe, que Jesus realmente a beijava na boca. O local do beijo (que poderia ser na mão, na testa ou no rosto) fica por conta da imaginação do leitor, já que o contexto não nos oferece nenhuma pista conclusiva. Seja como for, a cultura da época não permite classificar este gesto como “erótico”, já que o beijo santo, entre irmãos espirituais, era bem aceito na igreja cristã primitiva (Romanos 16:16; I Tessalonicenses 5:26).

 

Já no Evangelho de Maria Madalena, ela é mencionada como aquela “que o Salvador amava mais que a todas as mulheres”, mas não há nenhum elemento que a identifique como companheira (koinosos), pelo menos nos fragmentos restantes deste texto, que também está muito mutilado.

 

Prostituta?

A mais antiga citação de Maria Madalena como prostituta vem de um sermão do papa Gregório, o Grande, pregado em 591 d.C. Ele fez uma ligação entre Lucas 7 e 8, supondo que Maria Madalena (Lucas 8:2) era a mulher que ungiu os pés de Jesus (Lucas 7:36-50). Mas, a bem da verdade, comentaristas bíblicos questionam se esta unção de Jesus seria a mesma registrada em João 12:1-8 – esta, sim, explicitamente realizada por Maria Madalena.

Mas, ainda que se trate da mesma mulher, não se pode saber com certeza qual era esse “pecado” mencionado no texto de Lucas. Nada ali afirma que ela era prostituta. A expressão “mulher pecadora”, embora pudesse se referir a pecados sexuais, não se limitava a isso; uma mulher sem filhos, doente ou abandonada era considerada pecadora ou impura diante das leis de purificação do judaísmo antigo.

Considerando que Lucas 8:2 trate de Maria Madalena, a anotação de que Jesus expulsou dela “sete demônios” pode ser uma pista de que sua condição de “pecadora” estava mais associada a uma questão espiritual que qualquer outra coisa. Mas o modo como o drama é mencionado em Lucas 7:40-43 leva a pensar que o próprio Simão a induziu a algum tipo de pecado, provavelmente de natureza sexual. Mas, neste caso, uma simples relação íntima com ele (consensual ou por estupro) já faria dela uma pecadora aos olhos do conservadorismo da época, mesmo que não houvesse se tornado uma prostituta.

Magdala ou Betânia?

Uma antiga tradição cristã identifica Maria Madalena como a irmã de Lázaro, chamada Maria de Betânia, o que é bastante plausível.

A aparente contradição dos sobrenomes pode ser explicada se for entendido que um se refere à sua cidade natal e o outro à cidade onde ela viveu parte de sua vida. Isso era perfeitamente possível. Jesus mesmo era chamado Jesus de Nazaré, embora seu lugar de nascimento fosse Belém da Judeia. Falta, contudo, saber quando e por que, exatamente, ela teria deixado um lugar para viver no outro.

De qualquer modo, o que pode ser dito sobre essa fantástica mulher foi que ela amou a Cristo como seu único e verdadeiro Mestre. Um exemplo de vida que oferece esperança a todos nós que lutamos com nossos pecados, nossos demônios, nossos acusadores.

Maria teve o privilégio de ser a primeira pessoa a ver Jesus ressurreto. Se, como ela, formos fiéis ao nosso Senhor, teremos também o privilégio de estar entre as primícias que O contemplarão no dia da Sua vinda. Afinal, os moradores da Nova Jerusalém não serão santos que nunca pecaram, mas pecadores que se arrependeram sinceramente e lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, como o fez Maria Madalena.

 

Maria 

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