UM RETRATO BRUTAL DA VIDA DE PAULO
O primeiro esboço
da vida de Paulo (a quem conhecemos, a princípio, como Saulo de Tarso) é tanto
brutal como sangrento. Se um artista fosse pintá-lo com pincel e tinta a óleo, nenhum de nós iria querer pendurá-lo em nossa sala. O homem
parece mais um terrorista do que um seguidor dedicado do judaísmo. Para nosso horror, o sangue do primeiro mártir
espirrou sobre as roupas de Saulo, enquanto ele ficou ali, concordando com aquilo tudo, cúmplice de um crime medonho.
Quem era esse mártir?
Estêvão. Um jovem cristão que morava em Jerusalém, descrito em Atos 6 como “cheio de graça e poder” (v. 8), que
falava com sabedoria por unção do Espírito (v. 10), cujo semblante era “como se fosse rosto de anjo” (v. 15). Mesmo assim
o apedrejaram. Foi assassinado a sangue frio.
Os membros do
Sinédrio (chamado de Conselho, no Livro de Atos, em algumas versões da Bíblia),
desprezaram Estêvão por causa da sua firme defesa de Cristo. Eles se recusaram
a continuar ouvindo seu discurso veemente e, furiosos, o levaram para a
rua, pela porta norte, até a periferia da cidade.
Ali o apedrejaram, com pedras grandes e agudas, até que caiu e morreu. Saulo,
observando todo o episódio, ficou em meio à multidão que gritava, tomando
conta dos mantos dos assassinos de Estêvão. Ele, sem dúvida,
deve ter rido com
prazer sádico.
Eugene Peterson, em sua obra The Message, parafraseia a cena:
Gritando e assobiando, a multidão caiu sobre ele.
Então, em massa, arrastaram Estêvão
para fora da cidade e o apedrejaram.
Os líderes tiraram os mantos e pediram a um jovem chamado
Saulo para vigiá-los.
Enquanto as pedras choviam, Estêvão orou:
“Senhor Jesus, recebe o meu espírito!”. Depois
ajoelhou-se orando em voz alta o suficiente para todos ouvirem: “Senhor,
não lhes imputes este pecado!” - foram
suas últimas palavras. A seguir, morreu. Saulo estava ali, parabenizando os assassinos.
Durante a nossa
vida, adotamos naturalmente uma imagem cristianizada do apóstolo Paulo. Afinal de contas, foi ele o autor das duas
cartas aos Coríntios. Escreveu Romanos, a carta
magna da vida cristã. Redigiu a
carta libertadora aos Gálatas, exortando-os, e também a nós, a uma vida na liberdade
provida pela graça de Deus. E as “epístolas da prisão”... e as cartas pastorais, tão cheias de sabedoria, tao ricas de significado.
Ora, baseado em tudo isso, você poderia achar que o homem amou o Salvador
desde o berço. Nada disso.
Ele odiava o nome de
Jesus a tal ponto que se tornou um agressor violento e declarado, perseguindo e matando cristãos por
dedicação ao Deus dos céus. Por mais chocante que pareça, nunca devemos esquecer a cova de onde ele
veio. Quanto mais compreendemos a escuridão do seu passado, tanto mais entenderemos sua gratidão pela graça.
O primeiro retrato da vida de Paulo pintado
nas Sagradas Escrituras não é o de uma criancinha embalada amorosamente nos braços da mae. Também não mostra um
rapazinho judeu saltando e brincando com os amigos da vizinhança nas ruas estreitas de Tarso. O retrato
original não é sequer o de um
jovem e brilhante estudioso da lei sentado fielmente aos pés de Gamaliel. Essas
imagens só deturpam a nossa visão, levando-nos a pensar que ele teve um passado
de livro de contos de fadas.
Em
vez disso, o encontramos pela primeira vez como simplesmente “um jovem chamado
Saulo”, participante do assassinato brutal
de Estêvão e que “consentia na sua morte
(At 7:58; 8:1).
Esse é
o Paulo que precisamos ver para
apreciar a gloriosa verdade das
cartas do Novo Testamento que
escreveu. Não é de admirar que mais tarde ele viesse a ser conhecido como “o apóstolo da graça”. Na verdade, quando
verificamos como era o ambiente de seu nascimento e infância, descobrimos que não era marcado por ira nem por
violência. A vida para Paulo começou, na
verdade, muito pacificamente.
LUGAR NEM UM POUCO INSIGNIFICANTE
“Eu sou judeu, natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilicia”, Paulo anunciou,
certa vez, numa demonstração magistral de modéstia ao expor sua situação. Um
estudo acurado da antiga cidade
de Tarso revela que a cidade natal de Paulo não era um
simples ponto no mapa, mas uma metrópole movimentada
de cultura multiforme e comércio internacional. Sua localização estratégica explica
a sua importância e sucesso. Cilicia era uma província
na extremidade sudeste
do que era então chamado
Ásia Menor. Hoje faz parte da moderna
Turquia.
Ali você encontra
Tarso, localizada no coração da província da Cilicia - lugar de nascimento de Saulo. A cerca de 19 km das praias resplandecentes
do Mediterrâneo, Tarso é rodeada pela cadeia
de Montanhas Taurus - montes escarpados e altaneiros que vão do litoral até o norte, constituindo um vasto escudo protetor ao redor da cidade. Em vista
de estar próxima a um porto de mar, Tarso tornou- se uma via comercial muito usada pelas caravanas que levavam
suas mercadorias do Oriente, no Leste, até Roma, no Oeste. A viagem exigia que passassem pelos Portais
da Cilicia — uma impressionante seqüência de passagens
estreitas lavradas através das Montanhas Taurus acima de Tarso.
Saulo foi nutrido
com a nata de todo esse diversificado e rico caldo cultural e comercial, enquanto
ele crescia na cidade fascinante em
que nasceu. Embora órfão de mãe aos nove anos, como filho de um proeminente fabricante de tendas,
Saulo tornou-se beneficiário de uma herança religiosa e
intelectual igualmente rica. John
Pollock, autor de The Apostle: A Life
ofPaul, descreve habilmente os aspectos dos primeiros anos da vida e
educação de Saulo: Os pais de Paulo eram fariseus, membros do partido mais fervoroso do nacionalismo judaico e
severo na obediência à lei de Moisés.
Eles buscavam
proteger seus filhos da contaminação. Amizades com crianças
gentias eram desencorajadas. As idéias gregas eram
também desprezadas. Embora Paulo soubesse falar grego desde a infância, a língua
franca, e tivesse algum conhecimento
de latim, sua família falava em casa o
aramaico, a linguagem da Judéia, um derivado do hebraico.
Eles consideravam
Jerusalém como os muçulmanos consideram Meca. Seus privilégios como homens
livres de Tarso e cidadãos romanos não eram
nada frente à elevada honra de serem israelitas, o povo da promessa,
os únicos a quem o Deus vivo revelara a sua glória e os seus planos...
No seu décimo terceiro aniversário, Paulo já dominava
a história judaica,
a poesia dos salmos, a literatura majestosa dos profetas.
Seus ouvidos foram treinados à perfeição, e um cérebro ágil como o seu podia reter
o que ouvia tão automática e fielmente quanto a “mente fotográfica” moderna
retém uma página impressa. Ele estava pronto para uma educação superior.1
Isso aos treze
anos. Pollock continua: Um fariseu rígido não iria confundir o filho com filosofia moral pagã. Portanto, provavelmente no ano em que Augusto morreu, 14
d.C., o adolescente Paulo foi enviado por mar à Palestina e subiu os montes até Jerusalém.
Durante
os cinco ou seis anos seguintes, ele sentou aos pés de Gamaliel, neto de
Hillel, mestre supremo, que alguns anos antes morrera com
mais de cem anos. Sob o frágil e amável Gamaliel, um contraste com os líderes da rival Escola de Shammai, Paulo aprendeu
a dissecar um texto até que vários
significados possíveis fossem revelados segundo a opinião abalizada de gerações
de rabinos [...] Paulo aprendeu a
debater no estilo perguntas-e-respostas, conhecido no mundo antigo como “diatribe”, e a expor, pois um rabino não
era só parte pregador, como também parte advogado, que processava ou defendia os que quebravam a lei sagrada.
Paulo
superou seus contemporâneos. Tinha uma
mente poderosa que poderia levá-lo a uma cadeira no Sinédrio, na Galeria das
Pedras Polidas, e torná-lo um “principal dos judeus”.2
Saulo esperava
ansiosamente o dia em que se tornaria membro do Tribunal Supremo dos Judeus, chamado então de
Sinédrio. Juntos, aqueles setenta e um homens administravam a vida e a religião judia sentados em bancos curvos numa sala
de tribunal — exatamente o lugar onde tinham ouvido Estêvão fazer sua corajosa, embora fatídica, confissão de fé.
Saulo, agora um advogado bem-sucedido nos
tribunais movimentados de Jerusalém, fizera provavelmente
parte da audiência maior que ouvira a defesa de Estêvão. Ele mal tinha idéia,
então, de como Deus usaria os eventos
que levaram e que se seguiram à morte do jovem discípulo para mudar dramaticamente sua vida e causar impacto
sobre a história religiosa.
CHARLES SWIDOLL
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