segunda-feira, 18 de julho de 2022

APRENDENDO COM PAULO (PARTE 63)

 UM CONFRONTO INÚTIL

Desde o dia de Pentecostes, registrado em Atos 2, Jerusalém mostrava-se agitada por uma atividade religiosa sem precedentes. Quanto mais os agora ousados apóstolos pregavam as boas novas de Cristo, tanto mais o povo ia se convertendo.

Tudo estava mudando, até mesmo as tradições havia muito existentes. Judeus moradores de Jerusalém, assim como peregrinos das redondezas em visita à cidade, aceitavam Cristo aos milhares. Os líderes religiosos empedernidos sentiam-se exasperados com o que testemunhavam. Aquilo era demais! Como resultado, segundo Atos 5:18, “prenderam os apóstolos e os recolheram à prisão pública”.

Aqueles apóstolos cheios do Espírito estavam dando nos nervos dos líderes da religião dominante. Não devemos olhar essas cenas por meio de lentes demasiado cristãs. É melhor vê-las da perspectiva dos cidadãos de Jerusalém.

 

Aquele foi um período perturbador para o Sinédrio. Sua tentativa de silenciar os seguidores de Jesus crucificando o seu Mestre havia tido efeito contrário ao desejado. Portanto, encarcerar os fanáticos religiosos pareceu consistir na melhor estratégia para evitar que fizessem novos prosélitos judeus. Nem isso, porém, adiantou.

 

Algo miraculoso aconteceu também para piorar as coisas. “Mas, de noite, um anjo do Senhor abriu as portas do cárcere e, conduzindo-os para fora, lhes disse: Ide e, apresentando-vos no templo, dizei ao povo todas as palavras desta Vida. Tendo ouvido isto, logo ao romper do dia, entraram no templo e ensinavam” (At 5:19-21).

O tiro saiu realmente pela culatra! Os líderes religiosos achavam que tinham resolvido o caso dos rebeldes, quando, na verdade, apenas os motivaram a voltar à sua pregação mais ousados do que nunca! Foi algo similar ao acontecimento que se seguiu à cena do Gólgota. Os líderes religiosos tinham certeza de que crucificar Cristo terminaria tudo. Não podiam estar mais errados.

 

O Cristianismo desabrochou depois da ressurreição dele. Agora, inflamados com o poder do Espírito, os apóstolos estavam incendiando Jerusalém com a sua pregação. Seu zelo era contagioso, e sua mensagem, convincente. Não demorou muito para que as autoridades religiosas se vissem reduzidas a uma minoria que diminuía cada vez mais. Isso as levou a convocar uma reunião de emergência para decidir o que fariam a seguir.

 

Chegando, porém, o sumo sacerdote e os que com ele estavam, convocaram o Sinédrio e todo o senado dos filhos de Israel e mandaram buscá-los no cárcere. Mas os guardas, indo, não os acharam no cárcere; e, tendo voltado, relataram, dizendo: Achamos o cárcere fechado com toda a segurança e as sentinelas nos seus postos junto às portas; mas, abrindo-as, a ninguém encontramos dentro.

Atos 5:21-23

Isso não foi esplêndido? O anjo do Senhor abriu a prisão, libertou os apóstolos e depois trancou tudo outra vez. Ao chegarem, encontraram os guardas dormindo, as portas fechadas e nenhum prisioneiro.

E bem provável que Saulo estivesse no grupo que ouviu esse relato perturbador.

 

Teria sido apresentado a todo o Sinédrio, inclusive aos agregados, tais como advogados iniciantes, conselheiros e talvez até servos. Não querendo perder nada, Saulo absorveu cada detalhe à medida que se desenrolavam os acontecimentos. As coisas estavam fugindo ao controle.

Compreenda também a crescente frustração que tomou conta das autoridades religiosas. Lemos: “Quando o capitão do templo e os principais sacerdotes ouviram estas informações, ficaram perplexos a respeito deles e do que viria a ser isto” (At 5:24).

Não é interessante esse texto? Em termos atuais, “ficaram perplexos” seria: — O QUE ESTÃO QUERENDO DIZER? COMO É QUE NÃO ENCONTRARAM OS HOMENS? Aqueles juízes

preconceituosos ficaram fora de si tentando descobrir o que acontecera. Para piorar as coisas, outro mensageiro apareceu correndo com uma notícia ainda mais surpreendente: Eis que os homens que recolhestes no cárcere, estão no templo ensinando o povo. Nisto, indo o capitão e os guardas, os trouxeram sem violência, porque temiam ser apedrejados pelo povo.

Atos 5:25,26

Não perca de vista a importância do detalhe acrescentado no final. Esses líderes piedosos agora temiam por suas vidas, pois sentiram a maré se voltando contra eles. Mais e mais pessoas nas ruas estavam dizendo: “Não toquem nesses homens. Eles estão declarando coisas que precisamos ouvir... coisas que vocês nunca nos disseram.” A confiança cega que o povo de Jerusalém colocara em seus líderes estava agora desaparecendo, à medida que seus olhos iam sendo abertos para a verdade do Evangelho. Em vista de as massas estarem acreditando neles, o Sinédrio procedeu com cautela: “Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio” (v. 27).

Observe agora cuidadosamente: “E o sumo sacerdote interrogou-os, dizendo: Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome; contudo, enchestes Jerusalém de vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem” (At 5:27,28).

Em outras palavras: “Vocês estão dizendo ao povo que nós somos a razão de aquele falso Messias ser crucificado. Queremos que saibam que foram os romanos que fizeram isso. Nós apenas aceitamos o plano. Mas vocês nos fazem parecer perversos.” Note como os apóstolos, especialmente Pedro, responderam: Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem.

Atos 5:29-32

Saulo ouviu esse discurso. Já pensou nisso? Enquanto ficava nas sombras ouvindo Pedro falar, os cabelos em sua nuca se eriçaram. Aquele jovem e piedoso fariseu, hebreu dos hebreus, ouviu irado enquanto aquele pescador ignorante, chamado Pedro, falava do falecido Jesus, que tinha afirmado ser Deus. Era quase mais do que podia suportar. As emoções de Saulo fervilhavam em seu íntimo, enquanto ele formulava planos, pensando: “Se pudesse pôr as mãos nele, eu o mataria como a todo o resto”. Ele não podia imaginar que aquele “pescador ignorante” viria a ser seu colaborador no trabalho de estabelecer igrejas cristãs em todo o mundo conhecido. Antes que Saulo pudesse organizar um ataque sobre aquele homem e seus companheiros, Deus interveio em outra surpreendente reviravolta de eventos quando o conselheiro de Saulo levantou-se no meio da reunião.

 

 

UM ALIADO INESPERADO

Eles, porém, ouvindo, se enfureceram e queriam matá-los. Mas, levantando-se no Sinédrio um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da lei, acatado por todo o povo, mandou retirar os homens, por um pouco.

Atos 5:33,34

Espere um pouco. Quem é Gamaliel? Saulo estudou com esse homem durante os anos de sua instrução em Jerusalém; ele testemunhou que foi “instruído aos pés de Gamaliel” (At 22:3). Sentou- se aos pés de Gamaliel durante a sua educação formal na lei judaica. Ficou olhando quase sem respirar, enquanto observava seu orientador espiritual em ação. Seria o mesmo que um estudante de direito, depois de formado, visitasse um tribunal para observar um professor a quem admira praticar a lei. Que grande momento para Saulo! Ele talvez esperasse palavras fortes de condenação contra Pedro. Mas aconteceu justamente o oposto.

E lhes disse: Israelitas, atentai bem no que ides fazer a estes homens. Porque, antes destes dias, se levantou Teudas, insinuando ser ele alguma coisa, ao qual se agregaram cerca de quatrocentos homens; mas ele foi morto, e todos quantos lhe prestavam obediência se dispersaram e deram em nada. Depois desse, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muitos consigo; também este pereceu, e todos quantos lhe obedeciam foram dispersos. Agora, vos digo: dai de mão a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá.

Atos 5:35-38

William Barclay chama Gamaliel de “aliado inesperado”. Em meio à irritação geral e pensamentos irracionais, esse professor sábio e experiente, levantou-se com toda calma e advertiu: “Tomem cuidado. Não se apressem em julgar.” Em suas próprias palavras: “...dai de mão a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus” (At 5:38,39).

O jovem fariseu balançou a cabeça incrédulo: “Este homem deveria ser um porta-voz do judaísmo. Ele me ensinou grande parte do que sei sobre o judaísmo e a lei. Ele me instruiu sobre como fazer exatamente o que faço hoje em dia. Mestre Gamaliel, o senhor perdeu a cabeça?!”

E claro que Saulo não tinha meios para saber que aquele raciocínio calmamente expresso iria preservá-lo, mais tarde, quando viesse a carregar a tocha de Cristo. Então se lembraria de que os que lutassem contra ele estariam, na verdade, lutando contra Deus. Mas, naquele momento, não tinha a menor noção disso. Tudo o que via era uma mancha vermelha. Vermelha como sangue. Não conseguia acreditar que o Sinédrio concordasse com um conselho assim tão calmo e considerasse usar de brandura com aqueles infiéis. Mas foi exatamente isso que fizeram.

Se me permitir um instante de digressão aqui, penso que Pedro permaneceu vivo então e nos anos que se seguiram por causa da intervenção sábia de Gamaliel. Acredito que o “aliado inesperado” salvou sua vida. Saulo e os outros teriam apedrejado o grupo inteiro. Mas Deus graciosamente interferiu, usando as palavras de um professor sábio para preservar a vida daqueles que posteriormente iriam desempenhar papéis trágicos na formação da igreja cristã. Lembre-se disso quando sentir que as circunstâncias de sua vida são desespe-radoras. Não importa o que tenha de enfrentar, Deus continua no controle, silenciosa e soberanamente operando todas as coisas conforme seu plano perfeito. Ele tem o seu Gamaliel esperando nos bastidores. No momento exato, quando suas palavras forem produzir o maior impacto, eles sairão das sombras.

Os líderes religiosos aceitaram sabiamente o conselho de Gamaliel. As Escrituras dizem que: “Chamando os apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que não falassem em o nome de Jesus, os soltaram” (v. 40).

Espere um minuto! Isso não é justo. Que direito tinham de açoitar os homens se estavam planejando soltá-los? Foi o jeito de o Sinédrio dar seu doloroso recado: “Quando a pele de suas costas for arrancada, talvez não esqueçam que estamos falando sério. Vão embora!”

Como você teria reagido numa situação assim? Quando o seu grupo estivesse em fila e despido para as chicotadas, você teria se escondido no corredor dos fundos? Teria procurado um meio de sair pela porta, quando ninguém estivesse olhando? O açoite era uma tortura terrivelmente dolorosa e humilhante. Quem não tentaria escapar?

Nosso respeito por esses homens se intensifica nesse ponto. Veja como eles reagiram: “E eles se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome. E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo” (5:41,42).

Coragem notável! O sangue em suas feridas mal havia secado quando voltaram a pregar Cristo para o povo. Embora nós os respeitemos, Saulo os odiava por causa disso. Foi o que o motivou a tomar medidas ainda mais agressivas contra eles, e o que mais tarde usou em sua defesa perante Agripa: “E assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam. Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas os perseguia” (At 26:10,11).

Preste atenção novamente. Não se trata de um intelectual manso e de boas maneiras falando. Ele se tornara um fariseu apaixonado e decidido - um homem com uma missão. Mais tarde, escreveria uma confissão similar a seu filho na fé, Timóteo: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, eperseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade” (1 Tm 1:12,13, grifos do autor).

Que tal essa autobiografia de Saulo em duas frases?

Esse é o mesmo homem que escreveria sobre a graça e a misericórdia de Deus. Esse é aquele que viveria para ver o dia em que as palavras penetrantes de Pedro tomariam conta de sua própria garganta, tornando-se a força motriz de seu compromisso com Cristo. “Ninguém pode lutar contra Deus”, pregaria ele aos seus adversários. Mas antes de a graça de Cristo pegá-lo de jeito, ele se opunha violentamente a tudo e a todos que se relacionassem ao Caminho. Não esqueça de uma coisa: ele fez isso em nome de Deus. Essa é a razão de não haver nada mais assustador, mais perverso, do que um terrorista religioso. Justifica todas as suas ações em nome de Deus.


Saulo não era exceção. O homem “irrepreensível segundo a lei” conforme seu próprio testemunho acreditava cegamente que suas obras sangrentas honravam a Deus ao erradicar da Terra aquela seita. De acordo com as Escrituras, Saulo então “assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (At 8:3). Essa não era uma cena para os de estômago fraco. É difícil imaginar ódio tão profundo.

É aqui que devemos deixar Saulo, por enquanto. 


CHARLES SWIDOLL

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