APRENDENDO COM MARIA MADALENA
Maria Madalena é, sem dúvida, um dos personagens
mais conhecidos do Novo Testamento. Citada cerca de 12 vezes nos evangelhos
canônicos, ela é, mais do que qualquer outro discípulo, a que tem maior
destaque.
Mas o que a fez realmente famosa foi a crença
difundida de que ela fora uma prostituta que, posteriormente, teve alguma
relação afetiva com Jesus. Será isso verdade? Procede a dedução de que Cristo
fora casado?
A versão popular sobre Maria corresponde à
realidade? E a famosa expressão “Maria Madalena arrependida” pode ser um
exemplo legítimo de arrependimento e transformação? Vejamos a seguir.
Esposa de Cristo?
Não é de hoje que filmes, livros e documentários
insinuam um suposto casamento entre Jesus e Maria Madalena.
Contudo, nem os teólogos e historiadores mais
liberais apostam suas fichas na teoria de um possível relacionamento entre
eles.
Não há nada de concreto que aponte para isso. Nem
mesmo os aficionados por teorias conspiratórias podem afirmar que essa é uma
verdade que a igreja ocultou dos fiéis.
É claro que, se fosse provado que Cristo era casado
com Maria, isso decepcionaria muitos cristãos ao redor do mundo que sempre O
viram como um modelo de celibato. Contudo, além do fato de que constituir
família não pareça fazer parte da missão do Filho de Deus neste mundo, é
importante dizer que ser casado denotaria um defeito de Seu caráter, afinal,
caso Ele tivesse mesmo uma esposa, não haveria razão teológica alguma para
esconder isso do mundo.
Como a própria Escritura declara a perfeição do
caráter do Salvador (Isaías 53:9, 2 Coríntios 5:22, 1 Pedro 2:22), o silêncio
bíblico, neste caso, é um indicativo claro de que Ele e Maria nunca tiveram
nenhum afeto além da relação entre discípulo e Mestre.
Mesmo fora da Bíblia, poucos evangelhos apócrifos
(sem autoridade canônica) falam ou insinuam que Maria pudesse ser casada com
Jesus. Ainda assim, são fontes muito tardias e um tanto ambíguas.
A primeira delas é o Evangelho
de Felipe, datado do século III d.C. e cujo manuscrito
original foi encontrado mutilado: “E a
companheira de […] Maria Madalena […] ela mais que aos discípulos, beijá-la na
sua […]”.
Note que não é possível afirmar, pelos
fragmentos do texto de Felipe, que Jesus realmente a beijava na boca. O local
do beijo (que poderia ser na mão, na testa ou no rosto) fica por conta da
imaginação do leitor, já que o contexto não nos oferece nenhuma pista
conclusiva. Seja como for, a cultura da época não permite classificar este gesto
como “erótico”, já que o beijo santo, entre irmãos espirituais, era bem aceito
na igreja cristã primitiva (Romanos 16:16; I Tessalonicenses 5:26).
Já no Evangelho
de Maria Madalena, ela é mencionada como aquela “que
o Salvador amava mais que a todas as mulheres”, mas não há nenhum elemento que a identifique como companheira (koinosos), pelo menos nos fragmentos restantes deste texto, que também está
muito mutilado.
Prostituta?
A mais antiga citação de Maria Madalena como
prostituta vem de um sermão do papa Gregório, o Grande, pregado em 591 d.C. Ele
fez uma ligação entre Lucas 7 e 8, supondo que Maria Madalena (Lucas 8:2) era a
mulher que ungiu os pés de Jesus (Lucas 7:36-50). Mas, a bem da verdade,
comentaristas bíblicos questionam se esta unção de Jesus seria a mesma
registrada em João 12:1-8 – esta, sim, explicitamente realizada por Maria
Madalena.
Mas, ainda que se trate da mesma mulher, não se
pode saber com certeza qual era esse “pecado” mencionado no texto de Lucas.
Nada ali afirma que ela era prostituta. A expressão “mulher pecadora”, embora
pudesse se referir a pecados sexuais, não se limitava a isso; uma mulher sem
filhos, doente ou abandonada era considerada pecadora ou impura diante das leis
de purificação do judaísmo antigo.
Considerando que Lucas 8:2 trate de Maria Madalena,
a anotação de que Jesus expulsou dela “sete demônios” pode ser uma pista de que
sua condição de “pecadora” estava mais associada a uma questão espiritual que
qualquer outra coisa. Mas o modo como o drama é mencionado em Lucas 7:40-43
leva a pensar que o próprio Simão a induziu a algum tipo de pecado,
provavelmente de natureza sexual. Mas, neste caso, uma simples relação íntima
com ele (consensual ou por estupro) já faria dela uma pecadora aos olhos do
conservadorismo da época, mesmo que não houvesse se tornado uma prostituta.
Magdala ou Betânia?
Uma antiga tradição cristã identifica Maria
Madalena como a irmã de Lázaro, chamada Maria de Betânia, o que é bastante
plausível.
A aparente contradição dos sobrenomes pode ser
explicada se for entendido que um se refere à sua cidade natal e o outro à
cidade onde ela viveu parte de sua vida. Isso era perfeitamente possível. Jesus
mesmo era chamado Jesus de Nazaré, embora seu lugar de nascimento fosse Belém
da Judeia. Falta, contudo, saber quando e por que, exatamente, ela teria
deixado um lugar para viver no outro.
De qualquer modo, o que pode ser dito sobre essa
fantástica mulher foi que ela amou a Cristo como seu único e verdadeiro Mestre.
Um exemplo de vida que oferece esperança a todos nós que lutamos com nossos
pecados, nossos demônios, nossos acusadores.
Maria teve o privilégio de ser a primeira pessoa a
ver Jesus ressurreto. Se, como ela, formos fiéis ao nosso Senhor, teremos
também o privilégio de estar entre as primícias que O contemplarão no dia da
Sua vinda. Afinal, os moradores da Nova Jerusalém não serão santos que nunca
pecaram, mas pecadores que se arrependeram sinceramente e lavaram suas vestes no
sangue do Cordeiro, como o fez Maria Madalena.
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