terça-feira, 11 de agosto de 2020

APRENDENDO COM MARCOS


O EVANGELHO DE MARCOS 

Podemos encontrar a narrativa de três passagens contendo detalhes que pertencem ao acervo específico do Evangelho de Marcos. Alguns dos estudiosos têm encontrado nestas passagens evidências como se o autor sem querer se identificar de forma objetiva dissesse: “olha esse aqui sou eu”! 
A primeira passagem é 10:17, que relata sobre “um homem correu em sua direção” e, “Jesus olhou para ele e o amou” (Mc 14:21 NVI). Não temos aqui o nome deste homem que vai ao encontro de Jesus, mas a forma como Jesus o olhou “com carinho”; nem Mateus (19:16-30), nem Lucas (18:18-30), mas somente Marcos poderia saber o modo deste olhar.
Em 14:13-16 encontramos a descrição de “um homem carregando um pote de água virá ao encontro de vocês” (NVI). Aparentemente este homem sabia de tudo, pois ele já esperava pelos dois discípulos, e sem perguntas os conduz pelo caminho e os leva até uma determinada casa. Novamente, Marcos usa o recurso de apresentar um personagem sem identificá-lo, apenas indica que morava em Jerusalém, mas que certamente era um outro discípulo, pois Jesus sabia de sua disponibilidade para preparar a última ceia. Podemos deduzir que este poderia ser Marcos, pois a casa de sua mãe, algum tempo depois do Pentecostes viria a se tornar um ponto de referência para os cristãos em Jerusalém (At 12:12), e que lugar poderia ser mais sugestivo, senão a casa onde ocorreu a última ceia?
A narrativa de “um jovem” que foge desnudo (Mc 14:51-52). Este episódio em si é desprovido de relevância, a não ser que fosse importante para o autor do Evangelho. O autor nos fornece aqui alguns detalhes significantes, Stott comenta que “o jovem que seguiu Jesus era claramente rico, porque usava um lençol ‘de linho’: geralmente, tais peças eram de algodão. O terror do jovem é realçado tanto por fugir desnudo como por sua disposição de desfazer-se de uma vestimenta tão valiosa.”[1]

2.3.  O autor

Até aqui temos considerado, pelas evidências, que o autor do segundo Evangelho era denominado como Marcos. Os estudiosos o identificam com João Marcos de Jerusalém, por ser o único “Marcos” que os escritores do NT mencionam.
Lucas e Paulo em seus escritos nos fornecem algumas informações acerca de João Marcos. Na residência de sua mãe, que se chamava Maria, se reuniam os cristãos da igreja de Jerusalém (At 12:12). Ele era primo de Barnabé (Cl 4:10). Participou da primeira viagem missionária com Paulo e Barnabé, contudo não foi bem sucedido, e regressou para Jerusalém (At 13:13), por motivos que desconhecemos (At 12:35; 13:5); Paulo por causa dessa desistência, não quis levá-lo na viagem seguinte, Barnabé não concordando, rompeu com Paulo, e continuaram os seus esforços missionários separados um do outro (At 15:37-41). Contudo, posteriormente Paulo menciona Marcos como seu colaborador (Fm 24; Cl 4:10) e como lhe sendo útil para o ministério (2 Tm 4:11).[2]
Podemos concluir historicamente que, após a morte de Paulo, Marcos passou a trabalhar com Pedro.[3] Quanto ao seu relacionamento com o apóstolo, além das informações que recebemos por parte dos Pais da Igreja, só possuímos uma referência do próprio apóstolo ao mencioná-lo carinhosamente como “Marcos, meu filho” (1 Pe 5:13, NVI). Era comum entre os judeus, especificamente entre os rabinos chamar os seus discípulos de filhos, como também os discípulos se dirigirem aos seus mestres, como “pai”.[4]
Este Evangelho possui similaridades com os sermões de Pedro. Ainda analisando o estilo literário, podemos observar que o Evangelho de Marcos “segue os eventos históricos sobre a vida de Jesus que aparecem nos sermões de Pedro em Atos 3:13-14 e 10:37-42”.[5] Como já observamos, o nome de Marcos está intimamente ligado ao de Pedro, logo, não nos surpreende que ambos tenham discursos similares.
Além das similaridades com os sermões de Pedro, possuímos outras evidências de uma possível influência do apóstolo. C.E. Graham Swift coloca o assunto assim
o evangelho começa com a chamada de Pedro, sem referência alguma à natividade de Cristo. O evangelho focaliza o ministério na Galiléia, e mais especialmente nos arredores de Cafarnaum, cidade de Pedro. (...) São omitidas alguns pormenores que destacam a pessoa de Pedro, em a narrativa da confissão de Pedro, em Cesaréia de Filipe, e do seu andar sobre o mar. São relatadas minunciosamente as suas derrotas, como a negação do mestre.[6]

Em resumo, podemos dizer que Deus soberanamente preparou aquele que haveria de escrever o Evangelho. Augustus Nicodemus sugere “Marcos certamente conheceu a Jesus em Jerusalém, andou com os principais líderes apostólicos, e deles ouviu muitas outras coisas”.[7]


Conteúdo do Evangelho
Este livro não é uma biografia. Marcos tencionou apresentar a vida do mestre de forma bem resumida, enfatizando a sua mensagem. Não pode ser considerada uma biografia no sentido moderno da palavra. Larry W. Hurtado declara que “a motivação forte conducente à redação dos evangelhos não partiu de interesses biográficos, pelo menos como os entendemos hoje, mas nasceu do desejo de incrementar a fé em Jesus, e a ela dar forma”.[8]
Vejamos algumas razões porque esse Evangelho não pode ser considerado uma biografia. O Evangelho de Marcos não faz uma descrição física de Cristo. Não é fornecido nenhum detalhe a respeito da altura, peso, cor, enfim, nenhuma característica física de Cristo foi comentada. 
O segundo Evangelho não contém a narrativa do nascimento e infância de Jesus. Não encontramos neste Evangelho como vemos em Mateus e Lucas a genealogia, a narrativa do nascimento, nem mesmo algumas pinceladas da infância do Senhor. Podemos observar que a começar pelo título há uma ênfase na mensagem do Senhor, sem necessariamente anular o seu apregoador.[9]
Mesmo a narrativa que encontramos do ministério de Cristo não é exaustiva. O autor nos fornece o início ministerial de Cristo dizendo que “ele percorreu toda a Galiléia, pregando nas sinagogas” (Mc 1:21; 1:39, NVI). Neste dado já possuímos um salto histórico enorme, pois o narrador omite todos os detalhes e seqüências de sua mensagem como também, desta trajetória de Cristo em seu ministério inicial. Pohl corretamente diz que
é evidente que Marcos não tinha a intenção de dar o mesmo peso aos diversos aspectos da vida de Jesus. Seu interesse primordial era sua morte, porque ali ficou demonstrado definitivamente – sem contestação por toda a eternidade – quem é Jesus e como é Deus.[10]
        
Jesus iniciou o seu ministério na região da Galiléia. Sabemos que a região da Galiléia abrangia uma vasta porção de terra, com muitas cidades e vilas. Flávio Josefo afirma que “não somente há uma grande quantidade de aldeias e vilas, mas também um grande número de cidades (não menos que 240), tão populosas que a menor delas tem mais de quinze mil habitantes”.[11] Contudo, acerca deste número populacional tão volumoso Alfred Edersheim afirma que “naturalmente deve ser um grande exagero, pois haveria de existir naquele país uma população duas vezes mais densa que os mais densos distritos da Inglaterra, ou Bélgica.”[12] Apesar do exagero de Josefo, podemos crer que de fato a região da Galiléia era populosa. Apenas nesta afirmação tão resumida de todo o ministério de Jesus na Galiléia, podemos concluir que o Evangelho de Marcos não é uma narrativa exaustiva.
Deixou-se claro o que o Evangelho não contém, mas o que de fato ele contém? Isto será exposto de forma mais detalhada no tópico sobre o propósito, estrutura e ênfases teológicas do texto, podemos ainda levantar outras características do conteúdo aqui.

Características da Narrativa
Este Evangelho é conhecido por dar proeminência ao evangelho. Diferentemente dos outros Evangelhos, este enfatiza mais a mensagem do que o seu mensageiro, e isso pode ser averiguado a começar pelo seu título (1:1). Harrison coloca que “esta mensagem divina é digna do sacrifício da própria vida por parte do discípulo (8:35; 10:29). Deve ser proclamada a todas as nações (13:10; 14:9). Marcos é totalmente kerygmático em sua ênfase.”[13]
Este Evangelho é conhecido como “o Evangelho da Ação”. O Evangelho de Marcos é marcado pela descrição de um ministério ativo, realizado por Cristo. Não encontramos o Senhor em nenhum lugar deste Evangelho descansando. A maior parte dos sermões de Jesus são omitidos, dando maior ênfase nas ininterruptas atividades do Senhor. Hendriksen observa que “cada um dos primeiros onze capítulos de Marcos contém o relato de pelo menos um milagre (1:21-28, 29-31, 32-34, 39, 40-45; 2:1-11; 3:1-6; 4:35-41; 5:1-20, 21-43; 6:30-44, 45-52, 53-56; 7:24-30, 31-37; 8:1-10, 22-26; 9:14-29; 10:46-52; e 11:12-14, 20-21)”.[14]
Este Evangelho possui uma característica marcante por sua brevidade. Observemos que apesar de sua brevidade, ele contém certos detalhes que são omitidos pelos outros evangelistas, como por exemplo, 2:4; 4:37-38; 6:39; 7:33; 8:23-25; 14:54, e ainda contém uma parábola que não se encontra em nenhum outro lugar (4:26-29).[15] E também encontramos em Marcos a narrativa de dois milagres que somente são mencionados aqui (7:31-37 e 8:22-26).[16]
É um Evangelho rico em detalhes. De fato, ele é mais breve e sucinto que os outros Evangelhos, contudo, ele não se torna superficial por sua brevidade. Marcos nos fornece em seu relato não somente a ocorrência em si, mas também transmite minuciosidade em sua narrativa. Vejamos alguns exemplos. No deserto, ele afirma que Jesus “estava entre as feras” (1:13). Na pregação de João Batista, ele observa a ordem “creiam nas boas novas” (1:15). Ao curar a sogra de Pedro, Jesus não somente a tocou, mas também “a tomou pela mão” (1:31). Quanto a alguns hábitos do Senhor ele relata que, “de madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, e ali orava” (1:35, NVI). Estes são alguns dos detalhes que são relatados no primeiro capítulo, contudo, é possível encontrar maiores detalhes nos capítulos seguintes que são peculiares em Marcos, e que não encontramos nos demais Evangelhos.[17]
Este Evangelho é conhecido por sua sinceridade. Marcos é extremamente franco em sua narrativa, ele não hesita em mencionar a falta de entendimento dos discípulos (4:13; 6:52; 8:17,21; 9:10,32), que a própria família de Jesus o considerava como tendo enlouquecido (3:21), ele ainda diz que Jesus não podia realizar milagres em Nazaré por causa da incredulidade do povo (6:5-6). Marcos é igualmente sincero em “sua descrição das reações humanas de Jesus. As emoções como compaixão, ira, dor, severidade, tristeza, afeto e amor são todos atribuídos a ele”.[18]
Este Evangelho é conhecido como “o Evangelho aos gentios”. Percebe-se uma ausência de traços judeu-cristão que é tão comum no Evangelho de Mateus. Na história da mulher siro-fenícia, o Evangelho de Marcos não apresenta como em Mateus, Jesus respondendo: “eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15:24, ARC). E Jesus em seu sermão escatológico em Mc 13, faz a seguinte observação no verso 10, “é necessário que antes o evangelho seja pregado a todas as nações”.[19]





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