terça-feira, 11 de agosto de 2020

APRENDENDO COM MARCOS


                                                          Propósito
Quanto ao propósito este não aparece tão claro no Evangelho, e os estudiosos não são unânimes quanto a ele. A seguir temos algumas sugestões de propósito que podem ser assumidas.

1. Propósito Apologético

Marcos escreveu para uma comunidade cristã de maioria gentílica, e talvez tenha sido o seu propósito demonstrar porque Jesus foi rejeitado pelo povo judeu. Então, podemos entender baseados nesta posição, porque o evangelho apresenta duas características mui distintas, tanto a popularidade, como a oposição a Cristo. A.B. Bruce observa que esse paradoxo pode ser encontrado a partir dos dois primeiros capítulos, e se estendem praticamente até o fim do Evangelho.[1] 
Isto tem levado autores como Robert H. Gundry a defender que o Evangelho de Marcos é uma apologia da cruz de Cristo, escrito com fins evangelísticos para pessoas que tinham receio de crer na vergonha da cruz, num mundo onde a fraqueza era desprezada, e o poder estimado.[2]
Ainda, este Evangelho teria um propósito apologético para (1) mostrar porque Jesus como o Messias, era inocente diante das acusações dos judeus, e que o seu sofrimento era parte do propósito de Deus; (2) para expor por que Jesus, não declarou publicamente ser ele o Messias; (3) para apresentar as obras de Jesus como triunfantes sobre as forças demoníacas.[3]

2. Propósito Pastoral

Se a datação mais aceita estiver correta este Evangelho foi escrito entre 65-67 d.C., durante a perseguição de Nero. O grande incêndio de Roma em 64 d.C., possivelmente provocado pelo próprio imperador Nero, mas que fora atribuído aos cristãos. Por este motivo os cristãos estavam sendo perseguidos, e muitos estavam sendo martirizados. Marcos então, teria escrito para fortalecer estes cristãos que se encontravam abatidos e confusos com o sofrimento, morte e perseguições.

3. Propósito Doutrinário

Esta posição sugere que o propósito deste Evangelho seria preparar material para o discipulado. A própria tradição indica este propósito conforme já foi citado Clemente de Alexandria em sua obra Hypotyposeis.
O ensino dos apóstolos transmitidos oralmente precisava ser registrado, e comunicado aos novos discípulos, para que a mensagem do evangelho não se desvirtuasse, e assim fosse mantido fielmente o ensino de Cristo. Conforme bem afirma Pohl que
uma igreja que negligencia a recordação do Jesus terreno, em breve também não terá mais o Cristo verdadeiro de hoje, que é o mesmo ontem e para sempre. Um espírito que não recorda o Cristo de ontem não é um Espírito Santo. Também nisto reside o verdadeiro impulso para a transmissão da tradição de Jesus entre os primeiros cristãos, e para sua conservação definitiva e quádrupla no Novo Testamento.[4]

4. Esclarecer o segredo Messiânico

Uma posição que tornou-se comum entre os estudiosos de Marcos, é o conceito do “segredo Messiânico”.[5] Segundo esta posição Marcos em seu Evangelho desenvolve gradativamente a exposição do conceito de Messias. O mistério da pessoa de Jesus que já deixava todos curiosos (1:22,27; 3:21,22,30; 4:41; 6:2,14s; 8:11). Os demônios o reconhecem, mas recebem a ordem de guardar silêncio (1:25,34; 3:12; 5:6-8). Milagres poderosos deixam transparecer quem ele é, mas os presentes recebem a ordem de guardar silêncio (1:44; 5:43; 7:36; 8:26). Muitos dos atos do Senhor os próprios discípulos não entendiam (6:52; 8:17s). Mas depois gradativamente Cristo aceita ser reconhecido como Senhor, Deus e redentor, primeiro, pelos discípulos (8:29; 9:7), depois pelos peregrinos (10:47-49), na entrada triunfal (11:9-10), diante do Sinédrio (14:61s), de Pilatos (15:2), e finalmente, perante todo o povo de Israel (15:9,12,26,32,39).
Alguns têm sugerido que é por causa deste segredo intencional do próprio Senhor, que a sua messianidade não foi descoberta no início de seu ministério, e que somente foi exposta abertamente após a sua morte e ressurreição.

5. Propósito Evangelístico

Segundo essa sugestão Marcos teria escrito este livro com o propósito evangelístico. Isto explicaria porque o livro não é uma biografia, pois ele escreve para pessoas que conheciam os fatos básicos sobre o ministério de Jesus.
A ênfase de todo o livro recai sobre a última semana de Cristo. Marcos apresenta o sofrimento, a vergonha da cruz, e sua morte; e da perspectiva da glória de Cristo, seu poder e sua vitória final. Podemos supor que “Marcos escreveu seu Evangelho para ser usado na tarefa missionária da Igreja, para prover material para os evangelistas e missionários da Igreja de Roma.”[6]
Esta posição casaria muito bem com a característica literária do livro. Merril C. Tenney coloca que “as suas descrições breves, as suas frases agudas, as suas aplicações diretas da verdade, são exatamente aquilo que um pregador da rua usaria ao pregar Cristo a uma multidão promíscua.”[7]
Podemos concluir que Marcos escreveu este Evangelho com um propósito evangelístico, embora isso não exclua necessariamente os outros propósitos como sendo secundários.


Estrutura do Livro
Antes de esboçar a estrutura do Evangelho de Marcos devemos perguntar qual foi o critério que ele utilizou para compor a estrutura do seu Evangelho. Quanto a forma como o assunto se encontra distribuído no Evangelho de Marcos os estudiosos tem sugerido as seguintes classificações.

1. Esboço Cronológico

Segundo esta proposta de estrutura do texto, Marcos teria arranjado seu material seguindo a ordem dos eventos históricos como de fato eles ocorreram.

2. Esboço Topológico

Marcos teria arrumado o seu material de acordo com os lugares que Jesus visitou, começando pela Galiléia e terminando em Jerusalém sem necessariamente seguir a seqüência histórica dos acontecimentos.

3. Esboço Tópico

Esta proposta sugere que Marcos teria organizado seu material por assuntos, dentro de um esquema cronológico mais amplo. A sua estrutura seguiria temas comuns.

4. Esboço Cristológico

Esta divisão pressupõe que o livro se propõe a revelar o “segredo Messiânico”. Aproveitando a seqüência geográfica ou cronológica, o autor teria desvendado este segredo gradativamente, segundo se encontra na disposição de assuntos que ele estabeleceu.  
Nenhuma destas opções são totalmente satisfatórias para responder sobre a cronologia da vida de Jesus levantadas pela harmonia dos Evangelhos. O Dr. Nicodemus sugere que
Marcos retrata fielmente a seqüência histórica dos eventos, quando assim ele o indica (1:14; 1:21; 1:29; 9:2, etc.), e que um arranjo tópico ou topológico não significa necessariamente que ele editou e modificou os fatos, ou as palavras de Jesus.[8]

A Estrutura

A divisão abaixo não segue rigidamente nenhum dos esboços que foram apresentados acima, e sim uma síntese deles.

I.  O início do ministério de Jesus (1:1-13)
A. Seu precursor, 1:1-8
B. Seu Batismo, 1:9-11
C. Sua tentação, 1:12-13
II. O ministério de Jesus na Galiléia (1:14-6:29)
A. O ministério inicial na Galiléia, 1:14-3:12
B. O ministério posterior na Galiléia, 3:16-6:29
III. O ministério em outras localidades (6:30-9:32)
A. Nas praias orientais do Mar da Galiléia, 6:30-52
B. Nas praias ocidentais do Mar da Galiléia, 6:53-7:23
C. Na Fenícia, 7:24-30
D. Em Decápolis, 7:31-8:10
E. Nas regiões de Cesaréia de Felipe, 8:11-9:32
IV. O Ministério Final na Galiléia (9:33-50)
V. O Ministério na Judéia e Peréia (cap. 10)
A. Ensino sobre o divórcio, 10:1-12
B. Ensino sobre as crianças, 10:13-16
C. O jovem rico, 10:17-31
D. Jesus prediz sua morte, 10:32-34
E. O pedido dos dois irmãos, 10:35-45
F. A cura do cego Bartimeu, 10:46-52
VI. O ministério em Jerusalém (caps. 11-13)
A. A entrada triunfal, 11:1-11
B. A purificação do Templo, 11:12-19
C. Controvérsias finais com líderes judaicos 11:20-12:44
D. O sermão escatológico no Monte da Oliveiras, cap. 13
VII. A Paixão de Jesus (caps. 14-15)
A. Jesus é ungido, 14:1-11
B. A última Ceia, 14:12-25
C. Jesus prediz a negação de Pedro, 14:26-31
D. Jesus no Getsêmani, 14:32-42
E. A prisão, julgamento, e a morte de Jesus, 14:43-15:47
VIII. A Ressurreição de Jesus (cap. 16)


Local da Escrita
A tradição da Igreja antiga quanto a autoria e aos destinatários aponta inconteste para Roma. Somente uma voz tardia e isolada propõe que Marcos escreveu o seu Evangelho em Alexandria, no Egito.[9]

1. A Comunidade Judaica em Roma
        A dispersão dos judeus foi um acontecimento de grande importância para a preparação da vinda de Cristo, e para o progresso da Igreja Cristã. Quando ocorreu o Pentecostes os judeus já se encontravam espalhados por todo o império romano (At 2:5-11).
        A informação mais antiga sobre a comunidade judaica na capital romana remonta ao ano 139 a.C.. Calcula-se que o número de judeus no início do século I aproximava-se de 40.000. Alguns anos mais tarde a capital romana chegou a ter mais judeus do que na cidade de Jerusalém. Muitos foram para lá como escravos de guerra; outros foram por motivos religiosos, ou seja, para alcançar novos prosélitos (Mt 23:15), mas muitos poderiam ter ido por causa do comércio.[10]
        Com a confiança de César conquistada por Herodes, o Grande, a influência judaica cresceu no império romano. Disto resultou alguns privilégios adquiridos pelos judeus como a livre guarda do sábado, eram isentos do serviço militar como legionários romanos, e desfrutavam de liberdade religiosa em suas reuniões sem a presença de soldados romanos, que eram gentios.
        Com isso o movimento crescente do cristianismo tendo nascido em berço judeu, também desfrutou destes benefícios, pois para os de fora eles não passavam de uma facção judaica em crescimento.

2. A Igreja em Roma
        Provavelmente a Igreja de Roma começou com romanos, ou judeus residentes na capital romana que se converteram no dia do Pentecostes. Em Atos há uma referência aos “visitantes vindos de Roma” (At 2:10).
        Adolf Pohl aponta seis características da Igreja Cristã em Roma nos dias de Marcos. Primeiro, ela era uma das mais antigas e rica em tradições dentro do império romano. Tácito confirma o grande número de cristãos na capital império. Os cristãos tinham na capital de Roma adquirido uma posição de preeminência entre as demais igrejas do império. Na epístola aos romanos vemos Paulo num bom relacionamento com ela (Rm 1:8; 16:16). A maioria da igreja ali era gentílica. Em Roma vivia uma comunidade cristã cheia de mártires. Com o desaparecimento dos primeiros líderes daquela comunidade, surgiu Marcos para intervir e garantir à igreja a tradição de Jesus.[11]


Destinatários

        O Evangelho de Marcos foi escrito para a Igreja de Roma. Hurtado trata o assunto com certa superficialidade chegando a concluir sem maiores averiguações que “a única conclusão positiva que podemos tirar é que Marcos escreveu para cristãos gentios moradores fora da Palestina.”[12] Contudo, discordo dele pois o livro apresenta algumas evidências que nos levam a pensar que Marcos escreveu seu Evangelho para os cristãos que moravam em Roma.

Em primeiro lugar, devemos observar que os cristãos romanos como destinatários são indicados pela mais primitiva tradição da Igreja.
Segundo, Marcos explica costumes e traduz palavras judaicas, o que seria totalmente desnecessário para uma audiência judaica.
Não podemos ignorar os latinismos. Contra esta evidência poderia ser argumentado que, pelo fato de Marcos viver num mundo dominado politicamente e culturalmente por Roma, esta influência dos latinismos seria algo muito comum. Mas devemos perguntar porque estes latinismos não são “tão comuns” nos outros evangelhos? Pohl falando da influência do idioma latino coloca que “é claro que latinismos não precisam estar apontando para a Itália, mas são possíveis em todo lugar aonde os romanos chegaram. Só que no evangelho de Marcos eles são especialmente numerosos e de traços característicos”.[13]
Existe uma possível referência a um membro da Igreja de Roma. Simão Cireneu, é apresentado como pai de Alexandre e Rufo (Mc 15:21), e Rufo morava em Roma na época que Paulo escreveu aos romanos (Rm 16:13), ou seja 57-60 d.C., poucos anos antes de Marcos escrever (cerca de 65-67 d.C.). Quando Marcos escreve o seu Evangelho, escreve pressupondo que os seus leitores conhecessem Alexandre e Rufo. 


Data da Escrita
        O Evangelho segundo Marcos foi escrito em 65-67 d.C.. Algumas razões pelas quais essa data é preferível.
        Primeiro, esta data é preferível, pois, Marcos possivelmente escreveu após a morte de Pedro, que ocorreu entre 64-65 d.C., durante a perseguição de Nero. É o que afirmam o prólogo Antimarcionita (180 d.C) e Irineu (Adv. Haer. 3:1.2).[14]
Segundo, o Evangelho de Marcos foi provavelmente o primeiro Evangelho a ser escrito, e talvez usado por Mateus e Lucas, o que torna uma data após 70 d.C. muito improvável.[15]
A destruição de Jerusalém ocorreu em 70 d.C., e não encontramos neste Evangelho nenhuma menção do cumprimento do sermão escatológico de Jesus, e da sua referência sobre a futura angústia que viria sobre Jerusalém.[16]


Ênfases Teológicas
A Cristologia de Marcos é admirável, ele possuía um entendimento surpreendente acerca de quem Jesus era, fazendo observações, narrando detalhes, atos e reações do Senhor em momentos específicos de seu ministério.
Marcos apresenta Jesus como sendo verdadeiro homem. Na Cristologia de Marcos Jesus é perfeitamente humano. Ele precisava orar (1:35; 6:31), comer (2:16), beber (15:36), sentia fome (11:12), tocava nas pessoas (1:41), e era tocado por elas (5:57), ele se entristecia (3:5), e se indignava (10:14), sentia sono por causa do cansaço e era despertado após momentos de cansaço (4:38-39). Enquanto homem o seu conhecimento é limitado (13:32), de modo que se volta para ver quem lhe tocou (5:30), possuí corpo humano (15:43), um espírito humano (2:8), e inclusive poderia morrer (15:37).[17]
Marcos apresenta Jesus como sendo verdadeiramente Deus. Na Cristologia de Marcos não há negação da sua divindade. Ele descreve Jesus como tendo domínio soberano sobre o reino da enfermidade (1:40-45; 8:22-26; 10:46,52;), dos demônios (1:32-34), e da morte (5:21-24,35-43), sobre os elementos da natureza (4:35-41; 6:48; 11:13-14,20); prediz o futuro (8:31; 9:9,21; 10:32-34; 14:17-21), conhece o coração das pessoas (2:8; 12:15), vencendo a morte (16:6).[18] De acordo com Marcos as duas naturezas de Cristo, divino e humano, se encontram em perfeita harmonia na pessoa de Jesus. E isto pode ser percebido nas seguintes passagens (4:38-39; 6:34,41-43; 8:1-10; 14:32-41).
Marcos apresenta Jesus como o Filho de Deus. Esse título é usado para descrever a sua messianidade. Marcos inicia seu Evangelho identificando João Batista como o cumprimento da profecia de Ml 3:1 e Is 40:3, como aquele que viria e prepararia o caminho para o “Messias”. A voz que surge do céu dizendo “Tu és o meu Filho amado; em ti me agrado” (1:11 NVI). Jesus é aquele a quem os anjos servem (1:13). O seu sangue é oferecido em favor de muitos (10:45, cf. 14:24). Ele batiza com Espírito Santo (1:8), nomeia os seus próprios embaixadores (3:13-19), tem autoridade para mandar que os homens lhe sigam e o recebam (8:34; 9:37); na transfiguração manifesta parcialmente a glória futura (9:11); e declara que virá outra vez na glória de seu Pai (8:38), nas nuvens com grande poder e glória, quando enviará seus anjos para recolher seus eleitos (13:26-27).[19] Precisamente foi condenado por ter confirmado a sua divina filiação (14:61-63).
Marcos apresenta Jesus como o Redentor. Jesus numa de suas declarações afirma que ele veio para “dar a sua vida em resgate por muitos”(10:45). Marcos descreve um Cristo que haveria de sofrer, e dedica uma grande porção de sua narrativa para expor a Paixão de Cristo, mais do que os outros Evangelhos.[20]







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