terça-feira, 13 de dezembro de 2022

APRENDENDO COM NOEMI

 APRENDENDO COM NOEMI  

A morte de Abimeleque (1:3-5)

Morreu Elimeleque... Morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada de seus dois filhos e de seu marido.

A morte, num certo sentido, é um dos acontecimentos mais natu­rais da vida, mas, num outro, é o menos natural. Todos os homens são mortais; o tempo de permanência do homem aqui na terra é limi­tado. 

A morte inexoravelmente lembra o homem de sua fragilidade e limitação; limitação essa (o salmista nos diz) da qual o Senhor não fica esquecido, e que faz par te do significado da compaixão que sente para com o seu povo: "Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece dos que o temem. Pois ele conhece a nossa estrutura, e sabe que somos pó." 

Assim como toda a "natureza", a morte faz parte do homem desde o princípio. E certas casas funerárias modernas parecem recusar-se a crer que ela seja real.

Que significado, ficamos imaginando, o crente em Javé dava à morte quando Noemi ficou desamparada de seus dois filhos e de seu marido? 

Eles não tinham consciência da transformação do significado da morte trazida pelo Novo Testamento. Eles tinham muito menos fundamento do que nós para crer na vida após a morte. 

Não poderiam ter entendido a plenitude do significado das palavras de Paulo sobre a morte, que "perdeu o seu aguilhão", ou da sua descrição da morte como um simples "adormecer".

 Mas não devemos esquecer a confiança de Davi em que estaria com o seu filho morto, nem o pensamento positivo dos Salmos 49 e 73. 

Mesmo para um homem de fé do Antigo Testamento, morrer era "dormir com os seus pais", ou "ser reunido ao seu povo". E o desespero expresso em passagens tais como o Salmo 88 parte daquele que se julga alienado da com­paixão de Deus, morrendo sob a sua ira, e não de um crente ple­namente confiante na graça de Deus.

Mas é a ressurreição de Jesus Cristo que dá forma àquilo que para o cristão agora é uma certeza: para o crente a morte proporciona comunhão infinita com o Senhor. Para o cristão, morrer é "zarpar rumo a outra terra".

 Nossos corpos são preparados para uma vida espiritual mais completa, preparados para a vida no céu, com seus correlativos celestiais mais ricos do que os corpos físicos que são apro­priados para este mundo de espaço e tempo. 

A esperança cristã aguarda "aquela grande multidão que ninguém pode enumerar", cujas roupas foram alvejadas "no sangue do Cordeiro", que ficarão em pé diante do trono de Deus e o servirão "de dia e de noite no seu santuário".

Algumas partes do Antigo Testamento dão indicações destas afir­mações de fé. Isaías, numa seção que poderia ser considerada como a base da fé no destino pessoal, como também da sorte da nação, fala do tempo quando o Senhor "tragará a morte para sempre e assim enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos." 

Então ele afirma que "os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais no pó." E nas visões apocalípticas de Daniel, ele se estende pela fé em busca daquilo que talvez apenas perceba indistintamente: "Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para a vergonha e horror eterno."

Mas, de um modo geral, a morte no Antigo Testamento é um estado ambíguo e escuro. De um lado, os mortos são às vezes considerados como aqueles que foram separados da esfera da influência de Javé. A morte para eles significa o fim de um relacionamento consciente com Deus; já não se ouvem mais louvores a Javé. 

A morte é o rei dos terrores. O submundo tenebroso do Seol, o lugar dos mortos, é um local profanado que enfatiza o horror da morte. O crente em Javé não deve tentar alcançar aqueles que morreram, nem deve, como os demais cananeus, ocupar-se em rituais da morte, como cortar o cabelo ou ferir sua carne como um reconhecimento do poder da morte.

 O povo de Moabe, entre o qual Noemi habitava, possivelmente tinha atitudes para com a morte que eram intoleráveis para o crente em Javé (indicadas, talvez, pelo modo como Amos teve de denunciá-lo porque "queimou os ossos do rei de Edom, até os reduzir a cal").

Por outro lado, também encontramos no Antigo Testamento uma forte fé em Javé como Senhor, e o Senhor da vida. Nenhum outro soberano pode reinar no reino da morte. Assim, neste vácuo, a fé em Javé cria indícios de esperança. 

O salmista, quando se encontra à beira da morte, clama a Javé para que se lembre dele; e, em outra passagem, o poeta expressa a certeza de que Deus vai recebê-lo através da morte numa outra vida. Ou, então, mesmo que venha a fazer a sua cama no Seol, "lá estás também". O Senhor não vai abandoná-lo. 

Há um sentido no qual, no momento da morte, Javé vai "arrebatar" o crente para que fique em comunhão com ele. O próprio Deus está presente junto ao crente na vida e na morte, e não vai abandoná-lo no reino de Seol.

Quanto desta fé crescente Noemi partilhava nós não sabemos. Talvez ela tivesse vislumbres dessa verdade que nos foi totalmente revelada no Novo Testamento: para aquele que se aproxima de Deus pela fé, a morte, num certo sentido, já ficou para trás. Os crentes cristãos são "batizados na morte de Cristo" e, embora a sua morte física ainda tenha de acontecer porque a glória completa ainda não foi revelada, sua comunhão contínua com o Senhor é coisa segura.

Mas seja quanto for que Noemi tenha captado sobre o significado da morte para o crente em Javé, existem dois aspectos de suas próprias circunstâncias que são evidentes. Primeiro, seu marido e filhos haviam morrido prematuramente. 

Como podemos nos identifi­car bem com a tristeza do Antigo Testamento, quando enfrentamos aquilo que os que ficam só podem classificar de morte prematura! Abraão morreu em idade avançada, um homem velho e cheio de anos. Numa vida assim há realização, como na de Jó, que viu seus filhos, netos e até mesmo bisnetos. 

Mas a morte de uma pessoa jovem tem um tom de tragédia: "Em pleno vigor de meus dias hei de entrar nas portas do além; roubado estou do resto dos meus anos." Hagar, a mãe, lamenta a morte iminente de seu filho: "Assim não verei morrer o menino"; e Davi sofre com a morte do seu filho.

 Para Malom e Quiliom certamente, e podemos imaginar que também para Elimeleque, a morte chegou cedo na vida; eles foram "roubados" do resto dos seus anos. E Noemi ficou desamparada de seus dois filhos e de seu marido muito cedo na vida.

Em segundo lugar, embora o livro de Rute apenas nos dê um rápido vislumbre de fé em que a morte não seja o fim da comunhão (1:17), havia uma certeza. O nome do homem não deve ser esquecido. Seu nome permaneceria na sua herança. 

Como era importante para ele, portanto, que tivesse um filho (4:5,10)! E como deveria ser desesperador, portanto, para Noemi o fato de que, além de ter perdido os três homens de sua família, ela não tivesse um único herdeiro através do qual os nomes deles continuassem e sua herança ficasse garantida! Seus homens morreram, e com eles os seus nomes!

Aqui o autor coloca um desastre em cima do outro na vida de Noemi, dando-nos um senso real do choque que atinge uma pessoa nessas condições. Ela certamente não havia merecido; com certeza fora inesperado. Não estaremos penetrando aqui no lado oculto da providência de Deus: o fato de que certos sofrimentos nossos parecem insuportáveis; algumas de nossas circunstâncias parecem tão injus­tas; e algumas de nossas perguntas ficam sem respostas?

Com Noemi aprendemos que fé, às vezes, significa uma disposição de deixar essas perguntas como mistérios de Deus, na confiança de que, em dias melhores, ele tem se mostrado fidedigno.

 O Senhor visita (1:6-7)

Então se dispôs ela com as suas noras, e voltou da terra de Moabe, porquanto nesta ouviu que o Senhor se lembrara do seu povo, dando-lhe pão. Saiu, pois, ela com suas noras do lugar onde estivera; e, indo elas caminhando, de volta para a terra de Judá,...

A nossa memória mantém vivo no presente o significado das experiências passadas. Com que frequência o povo de Deus recebeu a instrução de "lembrar" de como Deus o ajudou no passado. 

Depois do êxodo do Egito, na noite de Páscoa, a primeira palavra de Moisés , ao povo foi: "Lembrai-vos deste mesmo dia ... pois com mão forte o Senhor vos tirou de lá." Eles deviam se lembrar do seu tempo de escravos no Egito como um incentivo para a guarda do sábado; deviam lembrar que o Senhor era o seu Deus. 

Quando tivessem medo, deviam se lembrar do poder do Senhor. Quando repousassem em bênçãos, deviam se lembrar de que também o tinham provocado à ira. Grande parte das regras éticas de sua sociedade estava fundamentada na lembrança do tempo em que eram escravos e na salvação de Deus. Nos dias dos juizes, logo depois que Gideão morreu, houve proble­mas, porque o povo se voltou novamente para Baal e não se lembrou do Senhor seu Deus.

Mas Noemi se lembrou. As linhas de comunicação com os amigos da pátria continuaram abertas. Pelo testemunho posterior de Rute vemos que Noemi fora uma servidora fiel de Javé em Moabe. 

Ela man­tivera viva em sua consciência a realidade da ajuda do Senhor ao seu povo no passado. E aguardava sinais da sua ajuda no presente. Como o salmista, quando consumido com sofrimento e depressão, Noemi sem dúvida consolava-se "invocando os feitos do Senhor". Como Jonas em seu nada invejável estado aquático, a mente de Noemi estava em oração ("Quando dentro em mim desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor; e subiu a ti a minha oração"). 

Nos tempos de provação, fé às vezes significa deixar as dificuldades nas mãos de Deus, mesmo sem receber uma resposta. Uma fé assim é fortalecida pela lembrança constante de como Deus nos ajudou no passado. Pedro insiste com os seus leitores cristãos para que tenham em mente as promessas e os dons graciosos de Deus, e que os tenham como lembrete. E, acima de tudo, somos aconselhados a lembrar, a des­cansar e a nos alimentar da graça salvadora de Deus em Cristo sempre que comermos o pão e bebermos o cálice do Senhor "em memória" dele. 

A fé é uma caminhada de confiança e crescimento; é um móbile em movimento, não uma vida estática. E quando algumas partes balançam por algum tempo nas sombras, confiamos que aparecerão de novo na luz, como já aconteceu muitas outras vezes. Parte da espiritualidade dos homens e mulheres de fé no tempo de Noemi consistia em meditar nos grandes feitos de Deus no passado, e podemos aprender com eles a manter assim a fé viva em períodos de trevas.

Assim, o coração de Noemi permaneceu em Judá e ela não se esqueceu do seu Deus. Na verdade os seus ouvidos ficaram alertas às notícias que chegavam a Moabe, de que Javé não abandonara o seu povo: a fome terminara, o Senhor se lembrara do seu povo, dando-lhe pão. 

O Senhor, como já dissemos, traduz o nome de Deus, Javé. Ele é o Deus cujo nome pessoal indica o seu caráter: o Deus que está em atividade, o Deus que vem ao encontro do seu povo na necessidade, o Deus que liberta o seu povo pela ação de um remidor (goel) 

É através do caráter deste Senhor, revelado ao seu povo gerações antes, que Noemi mede agora a amargura de suas perdas e do seu iso­lamento (1:13, 21). É este Senhor que, descobrimos mais tarde, é adorado por Boaz e seus empregados, e cuja bênção é invocada sobre Rute (2:4,12). 

É este Senhor que é bendito por Noemi por causa da graciosa generosidade de Boaz, que é visto como o doador da vida e sob cujos cuidados providenciais Noemi finalmente encontra alegria (2:20,4:13-14). O livro de Rute é rico em sua revelação do tipo de Deus que é Javé.

O nosso autor anseia que o caráter deste Senhor domine a sua narrativa. É como se quisesse que os seus leitores colocassem os acontecimentos detalhados das alegrias e tristezas de sua história dentro do contexto do Deus cujo caráter foi descrito como "Javé".

Quanto significado existe na frase O Senhor se lembrará! As notícias que Noemi recebeu não são expressas em termos tais como "o tempo melhorou", ou "houve uma inversão económica", ou "a ameaça da invasão desapareceu". 

Tudo isso poderia fazer parte da cadeia das causas para a recuperação da fartura em Belém. Mas não, as notícias chegaram a Noemi em termos de ação do Senhor. Aqui há um tema central na Bíblia: toda a vida é traçada diretamente pela mão de Deus. Quando nos concentrarmos principalmente nas causas secundárias sentimo-nos encorajados a manipular o sistema. É a concentração na Grande Causa que nos ensina a viver pela fé.

Quando o Senhor "visita" o seu povo, ele o faz pelo julgamento ou através de bênção. O alimento que agora existia em Belém é en­tendido por Noemi como um dom de Deus. O sentido disto foi captado pelo salmista ("Abençoarei com abundância o seu man­timento, e de pão fartarei os seus pobres"), como também pelo sacerdote Zacarias séculos mais tarde, quando ele se deleitou no nascimento do mensageiro do Messias ("Bendito seja o Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo"). Com a confiança de Noemi nesse Deus, ela podia lidar, como veremos, com os sentimen­tos de ira que suas circunstâncias viessem a provocar.

Agora, com Rute e Órfã, ela inicia sua viagem de volta ao lar.

 

 

 

 

 


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